ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (3)
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (3)
Rangel Alves da Costa*
Num desses dias que desde o amanhecer o vento começa a açoitar com fúria e ferocidade, bem mais forte do que as constantes ventanias que de vez em quando lambiam os arvoredos ao redor, por todo lugar se avistava um tempo fechado, escurecido, prenúncio de tempestade.
Mais tarde as folhagens começaram a passar bamboleantes pelos ares; tufos e mais tufos de galhagens secas misturadas a capim também seco rolavam pelos descampados; açoitadas, as árvores gemiam de moldo diferente, ora numa rouquidão tenebrosa, ora num uivar próprio dos lobos.
Já não se avistava mais vinte metros adiante sem que as sombras do dia tomassem conta de tudo. As nuvens negras encobrindo tudo acabaram impondo um absoluto negrume às paisagens. Os uivos aumentavam, os zunidos redobravam. Não se sabe como, mas até um sino badalou ao longe.
A escuridão tempestuosa tomava conta de tudo, de todos os lugares e todas as distâncias, mas não do local onde estava a casa do silêncio e da solidão. Como protegida por uma redoma ou uma nuvem inversa, ela continuava tão visível como nos outros dias normais, só que com um aspecto mais triste e circunspecto.
Assim que caiu o primeiro pingo, grosso, volumoso, estilhaçando um pedaço de pote de barro que resistia ao tempo, não demorou nem dois minutos para a tempestade se fazer completa. Os trovões e relâmpagos que ainda não haviam dado sinais surgiram repentinamente, barulhando feito lata sendo amassada e fazendo traçados faiscantes pelo horizonte.
Parecia fim de mundo. As águas caíam feito queda de cachoeira, tudo que havia por baixo ia sendo levado, formavam-se imensas poças e lagoas, as águas formavam enxurradas abrindo estreitos rios por onde passava. Uma coisa assustadora demais para tão pouco tempo de temporal.
Mas enquanto o mundo parecia se transformar em água, apenas a cortina molhada anuviava a visão da casa, pois nas suas velhas paredes e por cima, onde ainda restavam alguns pedaços de madeira da cobertura, caía apenas uma chuva fininha, dessas que chega sem maiores pretensões e serve apenas para espantar o calor.
O mais incrível é que mesmo praticamente não existindo telhado e as janelas e portas viverem abrindo e fechando ao sabor do vento, no interior da velha moradia não havia caído uma gota de chuva sequer, não havia entrado ao menos um borrifo levado pela ventania.
E a chuvarada continuava caindo forte, os trovões e relâmpagos não cessavam de se expressar. Passou o meio-dia assim e entrou a tarde nesta mesma feição, parecendo que eram novos tempos diluvianos. O que se iniciou já na escuridão, agora praticamente fechava tudo, num negrume que impedia de não se ver quase nada adiante.
Não se via quase nada adiante, mas ao redor da casa se via tudo. E foi por isso mesmo que um fato muitíssimo estranho começou a acontecer. E tudo aconteceu da maneira mais impensada que se poderia imaginar.
Primeiro um cachorro saiu de dentro da casa e ficou do lado de fora, pertinho mesmo, caminhando de lado a outro, farejando as águas. Não demorou muito e voltou para dentro. No instante seguinte alguém colocou a cabeça do lado de fora da janela, estendeu o braço como a experimentar a força da chuva lá fora.
Gesto desnecessário, pois chovia torrencialmente por todo lugar menos ao redor da casa, ao lado das paredes, onde só caíam chuviscos. Mesmo assim a mão foi estendida e em seguida desapareceu junto com o semblante da pessoa.
Dois minutos depois a pessoa saiu pela porta tendo uma mala à mão. Acompanhada pelo cachorro, saiu na malhada e deu alguns passos. Agia como se não houvesse tempestade alguma por cima de sua cabeça. E talvez nem se molhasse nem sentisse seus pés encharcados.
Antes de seguir adiante, se voltou, ficou mirando a velha casa por alguns instantes, fez um gesto de adeus. E do mesmo jeito, nesta mesma visão, já havia acontecido em outros tempos.
Estranho demais. Impossível que alguém de repente saia de uma casa abandonada. Impensável haver alguém ali ao lado do silêncio e da solidão. Mas havia.
Continua...
Poeta e cronista
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