ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (1)

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (1)

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Dia e noite, ano a ano, chovesse ou fizesse sol, a lua brilhasse ou na escuridão os bichos das sombras caminhassem ao redor, a velha casa parecia inacreditavelmente a mesma.

Apenas uma casa nas lonjuras dos centros urbanos, nas distâncias da civilização progredida, no meio dos descampados, no esquecimento e ao deus-dará dos restos abandonados.

Uma casa, velha casa e sua feição rugosa, entristecida, desamparada, relegada ao plano da inexistência. Qual a cor de um dia, qual o sorriso que se avistava da janela, quais as feições que entravam e saíam de sua porta, qual povo um dia habitou ali?

No centro e no meio do nada, bem na confluência da natureza vivaz que fazia fronteira e vizinhança. Se bem que tudo num misto de aridez e desolamento permeado por mata fechada e seus habitantes.

Ao lado, as pedras, os tocos, os garranchos das árvores mortas, a terra seca e pedregosa, o chão tomado de ervas daninhas e flores rasteiras do campo. Um aspecto ora marrom ora acinzentado, uma luz brilhante em tudo, uma cor avermelhada e triste do entardecer.

Uma casa, velha casa abandonada. Não havia mais ferrolho, fechadura, tranca alguma. O vento chegava e entrava, abria a porta e fechava a porta. No resto do que um dia foi telhado, apenas a peneira do sol e da lua, da chuva e do que a natureza mandasse lá pelo alto.

De vez em quando os visitantes chegam ali e tomam o seu lugar pra instante de descanso, de repouso, de soneca, ou mesmo com mais vagar, pra ficar quase um dia inteiro, virar a noite, cortar o outro dia, até sair pela porta do mesmo jeitinho que entrou.

Tem visitante que nunca saiu de lá, mas também ninguém nunca viu. Talvez como sombra, como ser invisível, como vivente debaixo da terra, como alguém ou coisa que não existe em lugar nenhum, a não ser ali.

Mas de vez em quando uma cobra ou outra ultrapassa o vão da porta e some lá dentro. Quando retorna ninguém sabe ou vê, mas verdade é que de repente a casa, ou os restos dela, fica novamente sozinha, abandonada, no silêncio, na solidão...

Bicho que tem medo da lua escondida logo procura refúgio ali. Como está escuro demais, chega um e mais outro, outro e mais outro, e os cantos da casa ficam tomados de visitantes noturnos.

Nenhum bicho faz barulho que é pra não deixar que os outros sintam a sua presença. Um som mais acentuado, um gesto mais aberto ou até mesmo o cheiro pode testemunhar a presença ali de forma perigosa, pois um inimigo pode estar bem na proximidade.

Assim, a casa pode está repleta de visitantes e ainda assim é como se ali não estivesse qualquer coisa. O silêncio toma conta de tudo, o vento entra pela porta e janela que abre e fecha incessantemente. E ainda na escuridão da madrugada muitos já começam a sair de fininho.

Ali entra onça, preá, cágado, guaxinim, tamanduá, cobra, passarinho, raposa, tatu, teiú, seriema, jaçanã, veado, acauã, peba, tatu, gambá, calango, lagartixa, abelha, gato do mato, jaguatirica, lince, preguiça, porco-espinho. E toda a bicharada que na mata ao redor houver.

E certamente também a caipora, o boitatá, a cobra-grande, a cuca, o saci-pererê, a mula-sem-cabeça, o fogo-corredor, o lobisomem. Mas estranho é que ali não entra o homem, ao menos não é visto por ali nem nos arredores desde tempos já envelhecidos.

Mas que tem presença cativa, a qualquer hora do dia ou da noite, é a aragem do tempo em todas suas feições. E chega a brisa dançando no ar; o vento trazendo folhagens e notícias de longe que ninguém vai ouvir; a ventania açoitando a porta e a janela; os vendavais que antecedem ou acompanham as chuvas ou tempestades.

E por ali há histórias e estórias, casos e causos, fatos e acontecimentos que colocam em redemoinho o pensamento de qualquer um e instigam por saber os motivos de tanto silêncio e tanta solidão.

Continua...

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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