ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (4)
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (4)
Rangel Alves da Costa*
Preocupado com a situação do patrão, o jagunço Celestino não piscou o olho a madrugada inteira. Quando ouviu rumores sobre o ocorrido pediu licença para se avistar com o homem. Segredou-lhe alguma coisa ao ouvido e depois ficou por ali, num vai e vem danado. E foi ele que veio correndo avisar que os filhos já estavam chegando.
Do carro que havia desceu apenas a bela Engracina, a filha única do casal, assistente social por profissão, interessada pela vida e desapegada demais aos bens materiais. Muito diferente dos outros dois irmãos. Verdade é que tanto Licurgo como Permínio, se pudessem fazer tudo ao seu modo já teriam dilapidado com todas as riquezas do pai. E eram muitas.
Engracina estava chegando sozinha até porque não se dava muito bem com os outros dois. Não aceitava, e dizia na cara de cada um, que aqueles dois marmanjos vivessem o tempo todo enganando o velho em estudos que não existiam e que, portanto, jamais concluiriam. Usavam e abusavam do dinheiro do pai sem pensar no amanhã.
Licurgo deslavadamente lograva o velho dizendo que estudava agronomia, enquanto Permínio, menos mentiroso, afirmava que não havia nascido para se formar doutor, pois sabia que sua verve era poética, nascido para os dotes das palavras. Escrevia sim, mas versos vagabundos, sofrida junção de palavras rimadas e cheirando a limão, tudo endereçado às prostitutas dos cabarés que freqüentava com voracidade.
A mãe correu para receber a filha e as duas se entregaram às lágrimas num longo abraço apertado. Perguntou o que realmente havia acontecido com o pai e a gorducha senhora, puxando-lhe o braço em direção ao quarto, disse apenas que foi uma doença estranha e silenciosa surgida depois que ele deu o primeiro cochilo. Abriu os olhos reclamando de estado febril e um avexamento danado pelo corpo, chegando mesmo a delirar. Mas agora já estava melhor.
Ao entrar no quarto e avistar a Velha Totonha passando panos no Sinhô Badaró, a mocinha correu para um abraço apertado. Somente depois que acariciou a carapinha cor de algodão da velha amiga é que se abaixou para dar um beijo na testa do pai e perguntar se estava se sentindo melhor. O velho, lacrimejando, apenas balançou a cabeça dizendo que sim e em seguida chamou-a para sentar ao seu lado, agora com um sorriso na face.
“Foi apenas uma indisposição acompanhada de febre e moleza pelo corpo, mas essa velha feiticeira da Totonha, intrometida como é, chegou aqui com suas mandingas e já me curou completamente. Se ela demorar mais aqui vou acabar virando planta de tanto beber chá e ser coberto por folhas e mais folhas. Engracina, minha filha, depois compre um vestido bonito e dê a ela, ainda que não mereça...”.
“Mas pai, mãe Totonha não precisa de vestido novo não, mas muito mais. Daqui a pouco vou ver se ela ainda mora naquela casinha quase caindo e direi o que ela precisa...”.
E a velha, envergonhada demais e sem saber nem o que fazer nem o que dizer, continuou de cabeça baixa até que a filha do patrão segurou-lhe pelas costas num dengo medonho que deixava a filha de escravos sem jeito. E então ouviram Celestino gritar que os dois outros filhos haviam acabado de chegar.
Ao ouvir o anúncio o Sinhô Badaró fechou o semblante. Da face sorridente, passou a ficar um tanto quanto carrancudo. Engracina logo percebeu tal mudança, porém sabia o porquê dessa transformação. Até ela mesma já não se sentia tão contente.
Aqueles dois, apesar de serem seus irmãos, causavam muito mais preocupações do que alegrias. E certamente não suportaria vê-los entrar naquela porta com ares de bons moços, fingindo preocupação com a saúde do pai, se o instinto deles não correspondia a nada disso. Por isso mesmo puxou a Velha Totonha pelo braço e saiu.
A gorducha mãe à frente e os dois marmanjos atrás foram entrando silenciosamente no quarto. Licurgo logo se aproximou e pediu a benção, no que foi seguido por Permínio. O primeiro perguntou se não era melhor seguir imediatamente para fazer exames na capital. Perguntou apenas por perguntar, pois sabia que o pai não aceitaria sair dali, e muito menos ele queria o velho por lá tomando conhecimento do quanto estava sendo enganado.
Já Permínio se postou em pé ao lado da cama e assim ficou por uns três minutos sem dizer uma só palavra. Em seguida sentou na lateral e baixou a cabeça, começando a se derramar em prantos. O pai perguntou o que estava ocorrendo e ouviu que não era nada, apenas um repentino entristecimento por não suportar nem a ideia de vê-lo doente. Porém tudo fingimento, falsidade.
Então o Sinhô Badaró se ajeitou mais perto da cabeceira da cama e disse que era bom que os três estivessem ali porque precisava ter uma conversa séria com todo mundo.
Continua...
Poeta e cronista
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