ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (2)

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (2)

Rangel Alves da Costa*

Com seus setenta e poucos anos, o coronel Horácio Badaró, ou simplesmente Sinhô Badaró, como era reconhecido e chamado, ainda estava em pleno vigor físico. Apesar de muito rico, com capatazes – e dizem que muitos jagunços circulando pelos quatro cantos - e dezenas de empregados, acordava cedinho para começar a comandar tudo diligentemente.

Ordenava, determinava, impunha, queria tudo feito e bem feito. E logo, imediatamente. Do contrário o homem virava uma fera. Não aceitava de jeito nenhum que ordem sua fosse contrariada ou descumprida. Muitas vezes nem precisava abrir a boca pra dizer nada, bastando o olhar cimentado para que seus empregados já procurassem adivinhar o que ele queria.

Certa feita deu de chicote de couro cru no lombo de três vaqueiros porque deixaram que uma bezerra se apartasse do rebanho e tomasse rumo desconhecido. Achou de contar cabeça a cabeça quando o rebanho foi trazido e sentiu falta de uma. E simplesmente a que ele mesmo tinha escolhido o nome de Rosa Flor. Depois que apanharam até ficar com as costas sangrando, os campeiros ainda tiveram que voltar, já escurecendo, pro meio do mato para encontrar a desgarrada de todo jeito. E a pé, e de pés descalços.

O coronel Badaró era assim mesmo, e muito pior. Quando seu pai era vivo, o coronel Sizenando Badaró, tido e provado como pessoa da pior espécie, ignorante até dizer chegar, malvado e violento com a família e mil vezes mais com seus subordinados, ainda assim confessava ao velho sacristão que cumpria sina tendo que comparecer ali toda semana, que temia pela sorte dos seus empregados nas mãos do seu herdeiro, o seu filho único Horacinho, o então temido Horácio Badaró.

Então já vinha no sangue o instinto de malvadeza, violência e crueldade. Contudo, feito verdadeiro milagre, alguns empregados recebiam a dádiva de receber um bom dia ou boa tarde do homem. Perante alguns até entabulava uma conversa rápida, uma pilhéria, uma conversa fora. Diante de outros, contudo, se encontrasse algum olho em sua direção logo mandava o jagunço Celestino ir lá perguntar o que tinha visto no Sinhozinho.

Era coisa de não acreditar, de se estranhar mesmo, mas o Sinhô Badaró gostava de estar na presença do jagunço Celestino. Homem de confiança, cabra de valentia desmedida, chefe da pistolagem jaguncista, era também amigo, disso não se podia duvidar. Por diversas vezes os dois eram avistados caminhando pelas terras da fazenda num diálogo aberto, com laivos de gargalhada de vez em quando.

Segundo outro jagunço, um tanto despeitado com a proximidade de Celestino com o patrão, o pistoleiro era usado como menino de recado e como organizador da agenda adulterina do coronel. Verdadeiro agenciador segundo afirmava às escondidas, temendo por tudo na vida que não chegasse nada do que dizia aos ouvidos do valentão. Bastava o coronel dizer com qual mocinha da fazenda ou das redondezas queria deitar na cama de capim e o outro saía para ajeitar tudo.

Contudo, mesmo sendo doloroso demais para as mocinhas e suas famílias impotentes, verdade é que tudo ocorria assim mesmo. Sinhô Badaró há muito que só roncava ao lado da gorducha esposa e suas parafernálias encobrindo os cabelos dia e noite, mas não podia passar por perto de uma mulatinha, ou mesmo qualquer uma mais jeitosinha, cheirando a sertão que se lambia todo.

E porque o desejo do coronel não podia ser contrariado é que as mocinhas virgens tinham de se submeter aos seus caprichos bestiais. Quando uma era escolhida, o jagunço Celestino ia diretamente procurar o pai da menina, contava sobre as pretensões do patrão e em seguida dizia que era melhor aceitar os dois contos de réis que ele havia mandado. Era esse o valor da honra familiar e da filha.

E o pior é que o pobre pai de família não podia fazer nada para preservar sua cria. Ou aceitava que o coronel fizesse o que quisesse com a menina ou sofreria as mais drásticas consequencias. Muitos trabalhadores dali e região, se rebelando contra perversão tão desumana, já haviam tombado dentro de suas próprias moradias ou pelas estradas. Tiro certeiro, de tocaia, trabalho feito por jagunço a mando do patrão.

Mas agora, no meio da noite, o homem agonizava esperando a chegada dos filhos.

Continua...

Poeta e cronista

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