ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (1)

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (1)

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Nem parecia estar situada nos sertões nordestinos, nas brenhas interioranas onde a seca de mais de três anos se contentava com trovoada de quatro ou cinco dias de chuvas, pois a Fazenda Terra Dourada, como o próprio nome deixava transparecer, era uma imensidão de riquezas.

Antiga propriedade de cunho familiar, passada como herança de geração a geração, possuía algumas características próprias que a distinguia de outras que havia na região. Era latifúndio na mais pura expressão da palavra, com uma vastidão de terras que iam da beira do rio até contornar os limites do município.

Contudo, se o ranço coronelista já havia desaparecido em outras propriedades, nela continuava cada vez mais firme, mais ativo e com mais altivez, ainda que todo mundo soubesse que o proprietário, o grande latifundiário, dono daquele mundo e de gente, não suportaria continuar por muito tempo com aquelas ideias preconceituosas, soberbas e demasiadamente egoístas já ultrapassadas.

Ao lado da residência imponente recentemente erguida continuava imponente o velho casarão. Antigo e imenso sobrado, com mais de vinte quartos e paredes forjadas na pedra com mais de metro de largura, era todo rodeado por um muro baixo de pedras de um preto retinto. Os mais velhos afirmavam que na sua construção morreram mais de dez escravos açoitados noite e dia.

Ainda dentro do muro e ao lado do casarão erguia-se majestosamente uma igrejinha toda construída na pedra. Era obra pequena, apenas para visitação e devoção familiar, mas diziam que até hoje suas paredes guardavam, como que em cofres escondidos nas paredes graníticas, verdadeiras relíquias em ouro. Porém, quem olhasse acima do altar veria apenas a simplicidade de um Senhor na Cruz talhado em madeira de lei, tão forte e resistente que permanecia sem qualquer alteração na madeira.

Apenas o tempo lhe impôs um envernizamento, uma cor mais escurecida que lhe dava ainda mais beleza e majestade. Vivia trancada a sete chaves o dia inteiro, de domingo a domingo. E estranhamente só era vista de portas abertas a partir das seis horas da noite até as seis horas do dia seguinte. E sobre tal fato surgiam os mais diversos e estranhos boatos, uns falando em promessas do fazendeiro e outros dizendo da utilização do lugar para cultos outros que não os católicos.

Fosse de que modo fosse, verdade é que dentre as estranhezas do proprietário estava o fato de mandar celebrar missa sempre a partir da meia noite. E missa normal, comum, com padre da paróquia do município e muita gente convidada. Não se sabe se pelo poder do homem, mas sempre que uma celebração era anunciada avistava-se um grande número de pessoas cortando a escuridão da noite para se fazer presente na igrejinha. Retornavam de lá quase às duas horas da manhã, como uma penitência inexplicável.

Tanto o grande senhor daquelas terras, cujo nome era Horácio Badaró, como sua família, demonstravam serem pessoas muito religiosas. A esposa do homem, uma gorda senhora cujo rosto cheio e avermelhado parecia estar sempre sorrindo, era a única pessoa que tinha acesso a igrejinha em plena luz do dia. Daí que era vista entrando a qualquer hora pelos fundos da capelinha, mas sempre cheia de xales, rosários e terços, e tendo sempre uma bíblia à mão.

Família imensa em outros tempos, que foi encurtando-se com o passar dos anos. Agora mais ricos do que nunca, porém o clã familiar resumia-se praticamente a Horácio Badaró e sua esposa Dona Graciosa Badaró, e mais três filhos, todos maiores e solteiros, sendo dois homens, Licurgo Badaró e Permínio Badaró, e uma bela moça chamada Engracina Badaró. Os pais continuavam morando na grande fazenda, porém os filhos só iam ali de vez em quando, vez que residiam na capital.

Numa noite, contudo, o velho Badaró caiu doente e resistindo a todo custo ser transportado para um hospital da capital para ser medicado, mandou chamar urgentemente os filhos para ter uma conversa importante antes que o pior lhe pudesse acontecer.

Continua...

Poeta e cronista

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