ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A FLOR, A VIDA...
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A FLOR, A VIDA...
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Só mesmo no sertão para se encontrar lições jamais imaginadas. Dos velhos sábios sertanejos surgem ensinamentos de deixar o academicismo de queixo caído. Mas com razão, pois a verdade é que a sabedoria popular supera em muito o conhecimento forjadamente produzido.
E nas minhas andanças por lá, vez que tenho raiz e tronco fincados naquelas terras agrestinas, gosto de ouvir os mais velhos e depois ficar matutando sobre quanta verdade em cada palavra, em cada lição repassada.
Noutro dia um velho amigo me presenteou com uma inesquecível comparação. Comparando a seu modo a flor e a vida, sintetizou com maestria o mesmo sentido e destino que as duas possuem, finalizando com uma conclusão surpreendente. E disse o velho:
“A flor não nasce ao acaso, precisa primeiro ser semente para depois germinar. A vida do ser humano também, pois primeiro tem de ser gerada para ganhar sua feição...
A flor necessita de muito cuidado para nascer. Mesmo a flor do campo precisa estar protegida das intempéries da natureza, das atrocidades do homem, de tudo aquilo que possa arrancar da terra o ventre da planta. A vida do homem não vinga se não receber os cuidados necessários ainda na barriga da mãe. Precisa de carinho e afeto antes mesmo do nascimento, pois a boa seiva da vida se forma ainda no útero materno...
Ao despontar no mundo, esse mundo desconhecido pra tudo na vida, a flor terá vontade de voltar pro lugar escondido onde estava se não receber os mais preciosos cuidados. Frágil demais como está, praticamente verá tudo pelos olhos da planta-mãe. Daí que será a mãe que será a própria flor nesses primeiros instantes. E com a vida humana não é diferente, bastando ver a fragilidade da criancinha ao nascer, necessitando demais que a mãe compartilhe de sua vida até se sentir mais segura...
Somente aos poucos a flor vai ganhando consistência e força, mas ainda assim continua muito frágil. E por isso mesmo não pode receber muita água, muita ventania, não pode ser acariciada a todo instante e por qualquer um, pois o menor descuido e poderá se desprender do galho e morrer. E a vida humana segue o mesmo passo, vez que é nesse momento que se torna mais propensa às doenças, às enfermidades que tanto afligem os corpos ainda indefesos. Por isso que a mãe deve redobrar seus cuidados para que a pequena flor não comece a murchar e perecer...
Depois de fortificada, quando já exprime todos os sentimentos, já sabe o que é melhor para si, ainda assim a flor não será nada sem a proteção da planta que a acolhe. É a planta-mãe que continua nutrindo sua cria, e assim continuará até que a flor, inevitavelmente, ganhe outro destino. Assim se faz também na vida. Filho e flor são frutos do mesmo jardim, com a única diferença que a flor muitas vezes é retirada de sua morada, enquanto que o filho deixa o lar por conta própria.
Mas a flor luta com suas armas de espinhos até que não pode mais. O ser humano, muitas vezes por conta própria, deixa-se desprender do galho e ser pisoteado pela sociedade”.
Poeta e cronista
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