ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ADULTÉRIOS (O PERMITIDO E O PROIBIDO)
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ADULTÉRIOS (O PERMITIDO E O PROIBIDO)
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que havia um padre, muito mais pecador do que sacerdote, que aprontava verdadeiras proezas na sua paróquia e redondezas.
Verdade é que de padre só tinha a vestimenta na hora da missa e o palavreado bonito para colocar o pecado e as boas virtudes na sua devida fronteira. Ah, também a utilização da sacristia como verdadeiro apartamento para suas nebulosas aventuras.
Na hora da missa já levava o vinho batizado, com boa porção de cachaça. Virava o cálice com gosto e repetia outras vezes. E cada vez mais eufórico, começava a piscar o olho para determinadas beatas, mandar beijinhos e balançar a cabeça em direção à sacristia, como a dizer que mais tarde tinha assunto safado a tratar ali.
E então, com a igreja tomada de fiéis, beatas e arrependidas, o que mais gostava de fazer era proferir sermões jogando pedras no adultério, qualificando-o como o fim dos tempos, o maior dos pecados, a ação direta do inimigo dentro daqueles corpos frágeis que de repente se afogueavam desavergonhadamente.
E dizia a plenos pulmões: “Ao adúltero, seja homem ou mulher, já está sendo preparada uma panela fervente onde será colocado e onde o inimigo sorridente colocará mais lenha na fogueira, e tudo eternamente. Os gritos dos adúlteros serão os mais horripilantes, suas dores serão as maiores, seus tormentos e sofrimentos serão indescritíveis. E tudo porque, aqui na terra, tanto o homem como a mulher devem respeitar a si mesmo, ao companheiro ou companheira, a família e a sociedade. Um homem nasceu para uma mulher, como uma só mulher nasceu para um só homem. Fora disso é traição, é blasfêmia, é pecado, é certeza de queimar eternamente lá pelos quintos...”.
Mas depois que a missa acabava, as pessoas iam saindo e a igreja esvaziando, não demorava muito para o safado do padre se achegar para uma falsa beata que ficava sentada num cantinho, de xale sobre a cabeça baixa e dizia: “Poderemos nos encontrar mais tarde ali mesmo na sacristia? Estarei te esperando para ofertar muitos beijos e afagos carinhosos, de quem ama e sente necessidade de possuí-la”.
E a mulher respondia: “Mas padre, seu sermão inteiro foi dizendo do pecado que é o adultério e de suas terríveis consequencias. E saiba que sou e sempre serei uma mulher muito fiel ao meu esposo. Além disso, Deus me livre de ir contra os ensinamentos da Bíblia e cometer tal pecado...”.
Então era a vez do sacerdote mostrar sua maestria pecaminosa. “Minha filha, aí é onde você erra, pois ninguém percebe mas é na Bíblia que está a permissão para se cometer o adultério. E tal permissão está contida numa de suas mais belas passagens, que é no Sermão da Montanha. E veja o que o livro sagrado diz: ‘Eu, porém, vos digo que todo aquele que repudia sua mulher, a não ser por causa de infidelidade, a faz adúltera’. Está lá escrito em Mateus. E sei que o seu esposo não tem freqüentado esse corpinho, tem-no repudiado, não é mesmo? Então você será adúltera com permissão, minha filha”.
Poeta e cronista
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