ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O MENINO E O OUTRO MENINO

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O MENINO E O OUTRO MENINO

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Dizem que numa povoação, lugar mais perto do que se imagina, havia uma pobreza horrenda na população, uma miséria se alastrando pelas ruas miseráveis do lugar, em cada casa, cada tapera, cada casebre de barro e forquilha.

Trabalho ali só nas grandes fazendas dos ricos latifundiários que moravam na capital e tinham aquelas vastidões de terras como verdadeiro quintal. O homem da terra não tinha nada, mas o de fora tinha tudo. Assim a povoação e região eram formadas por grandes latifúndios, imensas propriedades cheias de criações.

Num desses latifúndios, fazenda imensa com casarão e tudo o mais, morava uma família cujo pai era um misto de ordenhador e trabalhador braçal, além de ter de submeter a todo tipo de serviço que o capataz exigia que fizesse. O patrão mesmo, homem de muitas posses e vivendo na capital, só chegava por ali nos finais de semana.

Quando a reduzida família chegava, pois apenas o pai, a mãe e um menino, algo estranho logo começava a acontecer. Assim que chegava, antes mesmo de entrar no casarão, o menino lançava o olhar ao redor e corria pra perto de qualquer um pra perguntar onde estava o menino que vivia brincando e correndo por ali.

O tal menino referido pelo garoto que havia chegado, era filho exatamente do ordenhador da fazenda, pobre de andar sempre com a mesma roupinha rasgada. Mas pobre de posses, pois não havia menino mais rico em inventar brinquedos, em reinações pelos descampados, em alegria e prazer de viver todas as cores de sua idade.

Mas a pergunta do menino rico tinha sua razão de ser. Na capital praticamente não tinha amigos, não possuía brinquedos interessantes senão máquinas e computadores, não tinha encanto nenhum pela vida e nem sabia sequer o que era ser criança. Assim, quando chegava ali ficava num misto de inveja e admiração.

Quando os pais menos esperavam e o menino rico já havia sumido do conforto do casarão e se metido pelos arredores atrás do outro menino. E era a hora de vez fazer o que mais gostava e que sua vida de milionário não permitia, que era correr num cavalo de pau, soltar pipa, catar fruta madura, contar os ninhos de passarinhos, fazer curral de pedaço de pau e colocar dentro um rebanho de ponta de vaca.

Mas não durava muito e logo um dos empregados chegava dizendo que os seus pais estavam chamando com urgência. E pra nada, apenas pro iogurte, a vitamina, tudo insosso e ruim. Mas assim que os pais descuidavam, lá ia o menino saindo de fininho, olhando pelos cantos em busca do outro menino. E quanta correria, quanta brincadeira, quanta reinação.

Um dia o menino pobre levou o menino rico até sua casinha. O rico achou tão estranho aquela vida que acabou, inocentemente, perguntando onde o amiguinho morava. Ainda assim o da capital não entendeu nada e acabou saindo dali achando que o outro não tinha mesmo onde morar. E quando chegou diante de seus pais perguntou se tudo ali, os animais, as construções, as plantações e as pessoas eram tudo dele.

O seu pai respondeu que menos as pessoas. Então o menino disse que quando ele fosse comprar pessoas, que comprasse também um menino que vivia ali e não tinha onde morar. Comprasse, mas não o deixasse ali não, pois queria como amigo para acompanhá-lo onde estivesse.

Poeta e cronista

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