ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: NOITE DE LUA E PROSA
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: NOITE DE LUA E PROSA
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Sou sertanejo e conheço de perto alguns aspectos interessantes do cotidiano tão próprio do sertão, do seu povo e da abençoada vida matuta.
Nada igual ao amanhecer pertinho do mato, abrindo a porta da tapera e encontrando a alvorada com sua orquestra de passarinhos, o murmúrio das folhagens, o ciscar dos bichos e o vento faceiro que começa a soprar.
Dali a pouco tem o cuscuz ralado no quintal, o café pisado no pilão e depois torrado para ser levado ao bule, a macaxeira, o inhame, o bolo de milho ou de leite. E ainda a carne do sol, o queijo de coalho, o copo de leite fresquinho.
Mas quando a casa é pobre não deixa de também ter suas delícias. Ora, se a fome que se tem é o que abre o apetite e dá sabor à comida, tornando-a a melhor do mundo e querendo mais, então o pedaço de pão é uma dádiva, a perna de preá com farinha se torna inigualável iguaria.
Depois disso o dia segue chamando pra luta, quente demais, com tudo parecendo esturricar pela seca, pela falta de chuvas que insiste em se repetir. Bicho se vira como pode, gente faz o que pode para se virar, tudo acabando virando numa luta sem fim para sobreviver. Mas até que o trabalho do dia termine e comece outro momento de magia sertaneja.
O trabalho do dia foi feito. Deu para sobreviver. Enxada num canto, enxadeco no outro, foice na mesma arrumação; tira a roupa pesada, trepa o chapéu de couro, se banha na lama do ribeirão. Menino também se banha, a mulher e a moçada já trouxeram uma lata de líquido barrento. Mas é o jeito assim mesmo, afinal é tudo água, que lava bem ou não.
Cuscuz na mesa, apenas com manteiga, mas está bom demais. O café encorpado é acompanhado por um naco de pão. A meninada pede bolachão que não tem mais. Ainda bem que restou um tantinho de farinha que dá pra fazer um mingau. Será um prato só para os dois. E sem briga nem espertezas.
Coisa boa é comer o que só tem e ficar com barriga cheia. Como o café dali é mais cedo do que na cidade, vez que a luz a pouca, é quase nenhuma no candeeiro, na vela ou na lamparina, então quando chega às seis da noite, quando a noite já desceu com seus encantos e mistérios, quase ninguém fica mais dentro de casa.
Olham para o alto e encontram uma lua cheia, imensa, enorme, bonita demais de se ver. Com o clarão que faz, até agulha é fácil de encontrar pelo chão. E então a mulher senta num canto pra debulhar duas cuias de feijão, a filharada se espalha em brincadeiras e o dono da casa senta num tronco de madeira mais adiante.
Não demora muito e chega um vizinho e mais outro. Um trás uma velha sanfona, outro uma garrafa de pinga, outro um causo bem sertanejo para contar. E no proseado e na cantoria a vida matuta se faz tão bonita que até a lua se encanta lá em cima.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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