ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A VINGANÇA DOS ENCANTADOS (4)
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A VINGANÇA DOS ENCANTADOS (4)
Rangel Alves da Costa*
Caçador chegava, colocava um embrulhadinho de fumo em cima da pedra e depois gritava: “Quem tá protegendo a mata pode chegar, venha buscar seu fumo e me deixe entrar, me abra os caminhos que quero passar, fazer caça boa até festejar”.
E o encantado respondia: Se trouxe oferenda pode passar, mas já tô vendo o que vou encontrar, um tiquinho de fumo que não dá nem pra cheirar, e com esse presente não vai se fartar, quase nenhuma caça irá encontrar, a não ser uma cobra no seu calcanhar”.
E o homem voltava porque sabia que não adiantava seguir em frente naquele dia. Ou trazia fumo em maior quantidade ou era mesmo que perder tempo, pois os seres da mata já não se contentavam com pouco. E no outro dia chegava mais um caçador colocando um pacotinho na loca da pedra e dizendo alto:
“Dessa vez não trouxe fumo não, trouxe um preparado da melhor guarnição, preparei um rapé do melhor fumo que há, tanto pó que dá pra cheirar e correr pela mata a comemorar. Sei que já estão aí, então abram os caminhos e me deixe seguir, me dê caça da boa pra me divertir, um tatu, um veado, uma onça e um quati”.
E uma voz surgia de dentro do mato, dizendo como resposta: “Pelo jeito não trouxe rapé de tabaco não, não trouxe ouro, diamante, joia de muito clarão, pois querer o que quer com pouco não compra não. Entrar na mata e matar o quer, destruir animal como coisa qualquer, nem se o dono da mata aqui chegasse com sua ternura e fé. Não era pra matar um só bicho, não era pra fazer da natureza um lixo, mas ainda permito como capricho, que é pra matar a fome de quem tem seu nome e sobrenome. E se pensa que daqui vai ter mais que o necessário, pense logo o contrário, pois volta sem uma só conta no seu rosário”.
Ouvindo isso, o caçador pediu perdão, mostrou humildade e prometeu que nem pensaria nem falaria mais em matar bicho sem ter necessidade e precisão, para alimentar a família e sobreviver naquele sertão. E lhe foi permitido entrar na mata e voltar apenas com três preás.
Era assim mesmo que acontecia. Pra entrar na mata e caçar tinha que ter permissão dos encantados, deveria deixar no meio da mata um agrado, não transgredir o que lhe era ordenado fazer, pois do contrário a enganação não ia muito longe não. Se havia uma coisa nesse mundo que os encantados odiavam era saber que havia caçador tentando trapaceá-los, tanto tapeando no presente como na permissão concedida.
E tenham certeza que a coisa que João Espoleta mais queria fazer no mundo era enganar os encantados e depois contar lorotas nos botequins, debaixo dos pés de paus, em qualquer calçada da povoação. Com essa intenção, há muito planejava ir enganando aos poucos, todo dia que entrasse na mata ludibriando os encantados sem que eles percebessem que estavam sendo passados pra trás.
Assim, primeiro começou a levar uma garrafa de aguardente cheia, porém batizada, ou seja, misturada com água; depois passou a levar a garrafa pela metade e mais batizada ainda; em seguida começou a procurar o fumo da pior qualidade pra levar; o passo seguinte foi diminuir a quantidade de fumo e a qualidade.
Depois começou a escancarar, levando rapé de tabaco que tinha mais pó de serra torrado do que o fumo batido. E um dia levou somente o pó de serra, mas ainda assim falou dizendo que tinha deixado na pedra presente da melhor qualidade. O pior é que fazia isso e contava, se vangloriando, aos outros caçadores e a todo mundo que quisesse ouvir.
Como caçador é bicho malandro por natureza, fofoqueiro da melhor espécie, não demorou muito pra que essa conversa da enganação chegasse aos ouvidos dos encantados. E um dia, após deixar a oferenda no lugar e pedir permissão para entrar na mata, um caçador pediu permissão para falar sobre um fato de grande interesse. E contou sobre as artimanhas de João Espoleta.
E como resposta ouviu: “Antes que ele pensasse em fazer a gente já sabia de tudo. Deixamos que ele continuasse fazendo pra não penalizar sem ter provas. Por isso mesmo tudo de imprestável que ele deixou aqui continua guardado e bem guardado. Mas o dia que ele receberá o troco já está muito próximo, e a lição que ele vai tomar servirá como exemplo para todos vocês. E não porque possam querer nos enganar, mas enganar principalmente a mãe de tudo, que é a natureza. E o que acontecerá com ele será também o remédio que será dado a cada um que pretenda fazer da mataria e da bicharada uma brincadeira de destruição”.
“Mas o que será feito com ele?”. Perguntou o caçador. E a voz respondeu: “Vocês ficarão sabendo depois”.
Poeta e cronista
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