ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A VINGANÇA DOS ENCANTADOS (1)

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Caminhando pelo meu sertão, colhendo sol de peneira e suor no peito desnudo, de calça cheia de carrapicho, me aproximei de um pé de umbuzeiro onde três velhos sertanejos conversavam, num proseado mais que animador e reconfortante.

Reconfortante porque o momento de paz e proseado só era possível pelo atrevimento daquele povo sofrido. Só fosse outro povo vivia a se lamentar da seca, da estiagem, da falta de água e alimento pra gente e bicho. Mas aquele povo não. Sofria sim, padecia sim, mas tão conscientemente de que tudo fazia parte da vida sertaneja que nem se deixava levar pelo desespero.

Por isso que havia encontrando um momento para a distração debaixo da velha árvore amiga de todo mundo. Assim, os três acenaram para que me achegasse mais e fui. Gosto de ver e ouvir esses velhos sábios sertanejos dialogando, espalhando lições de vida nas suas simplicidades caboclas. Mas dessa feita me enganei, pois conversavam o assunto muito diferente, estranhissimamente diferente.

Falavam das almas penadas que são avistadas em certa noite da semana lá pelas bandas do velho cemitério; diziam do fogo-corredor que é visto desembestado, soltando fumaça pelas ventas, lá pelas moitas da mata grande; contavam sobre o lobisomem com nome de padre safado e namorador que aparecia na época da semana santa. Certa vez entrou na sacristia à meia-noite da sexta-feira maior e só não foi morto a punhaladas porque beatas apaixonadas correram em seu socorro.

Falavam também da moça nua que morreu virgem e que em noite de lua cheia era vista lindamente deitada na pedra grande do riachinho; se divertiam proseando sobre o bêbado que jurou por tudo na vida ter encontrado um tesouro na beira da estrada, jogou a feirinha fora e encheu o saco de osso velho de animal para presentear a mulher. Apanhou tanto da esposa que nunca mais quis falar de ouro e riqueza. E conversavam também sobre a mulher, até conhecida de todos, que namorava com um guaxinim. E o pior que o marido corneado tinha medo do bicho do mato que se pelava.

Mas de repente um dos três começou a falar de um sertanejo, homem de família muito conhecida nos arredores, exímio caçador, conhecedor como ninguém dos mistérios e encantamentos das matas, sabedor das trilhas onde os bichos estavam escondidos, mas cuja experiência e maestria não lhe foram de nenhuma valia diante de um fato mais que inusitado.

Verdade é que o homem sabia muito bem que pra ser caçador nas matas sertanejas tinha que obedecer a certos rituais, tinha que satisfazer limites e pactuar tanto com o tempo, como com a mata, os seus habitantes e até as pedras que se espalhavam silenciosamente por cima da terra espinhenta.

Entrar na mata pra caçar e não se benzer na entrada da primeira vereda era sinal de que não conseguiria nada; sair pra caçar e não pingar uma gota de água no barreiro vazio corria o risco de ser estropiado sem saber de onde tinha saído o ferimento; pisar a alpercata na mataria e destruir planta que estava verdejando podia até deixar o caçador atordoado, sem saber que rumo tomar, se perder pelas entranhas perigosas; entrar na mata e deixar fogo aceso, fazendo com que houvesse risco de incêndio, podia até causar no desastrado um calor tão grande pelo corpo que não havia banho gelado que desse jeito.

Então o velho disse do que havia acontecido com o tal caçador que brincou com a sorte, e por isso mesmo arriscou a vida. Mas disse apenas por alto, numa espécie de introdução de uma história que seria muito maior e envolvente. E naquele momento disse apenas que o tal sofreu terríveis consequencias por ter mentido, feito desfeita, desacreditado no poder dos encantados. E falou sobre algumas dessas terríveis consequencias. Fato que depois procurei confirmar com o mesmo velho e então descobri mistérios muito maiores envolvendo isso tudo.

E é sobre como se deu essa desfeita do caçador para com os encantados da mata, bem como suas consequencias, que irei cuidar amanhã. Ou a partir do texto seguinte.

Poeta e cronista

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