ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ENQUANTO VARREM A CALÇADA

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ENQUANTO VARREM A CALÇADA

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Vou contar sem medo e duvido que alguém venha com conversinha pra cá dizendo que é mentira. Basta observar para perceber enquanto as vizinhas se levantam cedinho, abrem suas portas, e de vassouras nas mãos se põem a ciscar pelas suas calçadas.

A intenção é boa, que é manter a frente e os arredores das casas limpas. Contudo, tudo desanda para o imprestável, o desonroso e até imoral quando uma se achega pra perto da outra e, sempre com jeito inocente e de quem não quer puxar muito assunto, começa a conversar.

A partir do instante que a outra dá ouvidos, pois louquinha pra esse momento acontecer, esquecem da varredura, da limpeza, de tudo e chegam a galopar na fofoca, na boataria, na mentira, na falsidade, no ouvi dizer, no segredo que nunca foi, na intolerável pertinência da vida dos outros.

E uma diz: Você soube comadre?

E a outra, aflita, doida pra saber logo, pergunta: Não, comadre. Do que está falando?

E continuam:

Quer dizer que não soube daquela zinha que foi surpreendida pelo próprio marido com outro, no bem-bom, e ainda por cima da cama do casal?

Mas são tantas assim comadre, você bem sabe. Diga logo o nome...

Zabé do barbeiro, essa mesma comadre. Mas que bicha mais safada, hein? Mas a comadre disse que outras por aqui são também gaiera foi?

Que ninguém nos ouça comadre, mas vou dizer o que não devia, pois me pediram o maior segredo do mundo. Marcionila, Gerbosa e Marisbel é tudo assim comadre. Marcionila já mandou inté o corno do marido sair de casa. O besta ainda se ajoelha pedino pra ficar. Gerbosa não nega a ninguém que tem um amante, aquele menino novo, apessoado, filho da viúva Lismaura. Marisbel é a situação mais complicada, pois as má língua diz que o cabra que deita nela também deita nele. Além de corno é aviadado, e aí danou-se mesmo...

Dessa eu num sabia comadre. Mas também eu nunca que botei minha mão no fogo por nenhuma dessas aí, só num sabia que o marido de Marisbel também gostava de queimar a rosca...

Mas fica só entre a gente aqui, não é comadre, pois nunca foi de nossa intenção falar da vida dos outros. Religiosa como sou, temente aos pecado de Deus como sou, vivo a minha vida e deixo os outros fazer o que bem entenderem da sua. Mas a comadre viu como anda meio barriguda e desconfiada aquela sonda da Florinda? Será comadre, hein?

Tudo mundo tá vendo que aquela barriga só pode ser de gravidez. Agora duvido que saiba dizer quem é o pai...

E aquela outra dali da esquina deve tá na merma situação. E sai com, com outro, sei não viu. Mas deixe pra lá, que a vida dos céus não me pertence...

E assim passam a manhã inteira. Esquecem de varrer, deixam secar a água do café e queimar o cuscuz. E tudo porque a vida não tem graça sem a danada da fofoca, do intrometimento na vida dos outros. Êta povinho de todo dia!

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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