ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: SENTIMENTO DE PLANTA

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: SENTIMENTO DE PLANTA

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

O velho com quem certa vez conversei tinha plena razão no que disse. Segundo ele, tinha certeza de que planta e bicho possuem muito mais sentimentos do que a maioria das pessoas. Tem gente que é completamente vazia por dentro e endurecida por fora, não sente nada pelo que acontece ao redor, pode morrer parente que é mesmo que se findar uma muriçoca.

O velho disse isso como preliminar para contar uma outra passagem muito interessante, segundo ele. E dizia respeito ao que as plantas sentiam, como conversavam, como elas enfrentavam os perigos, mostravam seus medos, manifestavam suas alegrias, aflições e temores. E tudo isso muito mais verdadeiro do que muitos que andam por aí, na mentira e na falsidade.

Era conversa antiga, já ouvida de outro velho, mas que se renovava sempre enquanto lição. E tudo aconteceu num tempo já de longe ido, lá pelas beiradas das distâncias. Na verdade, um tempo em que as plantas eram mais numerosas, se espalhavam por todos os lugares, eram vistas de par em par por dentro da mataria.

Em épocas de chuvaradas, de climas mais amenos, de natureza verdejante, elas até sorriam, cantavam, gritavam. De mãos dadas, de um jeito que só a planta sabe pegar na mão da outra, brincavam de roda, inventavam prazerosos passatempos. E faziam isso o tempo todo, quase sem descansar, pois sabiam que aquela alegria não duraria muito, bastando olhar cuidadosamente mais adiante e sentir o clima mudando, o calor chegando, as folhagens querendo esmorecer.

Como viviam na vegetação sertaneja, então tudo ficava mais aperreado ainda. Quando chovia, quanto o sol se escondia um pouquinho, aí tudo era frescor e tranqüilidade, porém muito diferente do que, aos pouquinhos, aconteceria depois. Mais tarde só mesmo os mandacarus, xiquexiques, facheiros, palmas e cabeça-de-frade para suportar tanta dor, tanta sequidão.

Quando começava a passar mais de ano sem nenhum pingo d’água já podia se sentir as drásticas consequencias nas feições daquelas plantas antes sedosas e verdejantes. Igual folha de outono, de repente começavam a entristecer, a emagrecer, a perder sua força e tonalidade e, sem mais seiva e sem mais viço, ficavam acinzentadas, marrons, esbranquiçadas. Coisa mais triste de se ver, vez que daí para a morte era um nada.

Os cactos, parecendo guardiões do sertão seco e esturricado, permaneciam diuturnamente paralisados em meio aos descampados. Ouviam os gemidos das plantas e nem se voltavam naquela direção. Sabiam que se fossem até lá ajudar seria pior. Cheios de espinhos pontiagudos, certamente iriam ferir mais ainda quem já estava demasiadamente enfraquecida. Mas choravam de lágrimas caudalosas escorrerem pelos seus troncos.

Plantinhas chegavam embaixo do cacto e começavam a beber as lágrimas caídas. E que seiva divina, quanta força até quem sabe a hora de partir. E mais adiante, tentando por tudo conter o grito de desespero, a bromélia segurava na mão esmorecida da arruda. Deu o último suspiro e pronto. E não houve nem tempo de prantear, pois o fedegoso gritava pedindo que acudissem a roseira do campo. Morreu ainda nova, sem ter tempo de florescer.

Poeta e cronista

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