ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: COITADO DO BICHO-PAPÃO

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: COITADO DO BICHO-PAPÃO

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Dizem que um menino arreliento demais, malino até dizer chega, desses que não tem medo de nada e ainda por cima leva a vida a assustar os outros, depois que se cansava das peraltices do dia corria para o colo de sua avó. Era chegar e pedir uma história de bicho-papão.

E quanto mais a boa velhinha contava, inventava e reinventava estórias sobre o danado do bicho-papão, o neto reclamava e dizia que o tal bicho não era de nada, eram um frouxo, um covarde, e que contasse outra bem assustadora.

Mas a coitada da avó não sabia mais o que fazer, pois já havia transformado o bicho que era apenas papão num monstro terrível, num ser medonho e comedor de criancinhas e até adultos, numa coisa verdadeiramente do outro mundo. Mas não surtia efeito nenhum, pois o menino dizia que aquele bicho-papão era mesmo afrescalhado, um abestalhado, um zé-ninguém.

Como não tinha jeito mesmo, então a vovozinha disse que ele parasse com aquilo, com aquele negócio de falar tanto mal do bicho-papão porque o mesmo poderia estar por ali escondido e ouvindo tudo, e se isso acontecesse bem que poderia fazer moradia debaixo de sua cama. E o pior, pois qualquer noite dessas poderia lhe papar.

Ao ouvir isso, o menino pulou do colo e gritou bem alto, em tom zombateiro, chamando o bicho-papão e dizendo que se ele fosse bicho mesmo de respeito que fosse pra debaixo de sua cama, e só assim ele ia ver o que era bom pra tosse. E o danado estava ali mesmo escondido, raivoso, ouvindo tudo. E decidiu que iria se esconder debaixo da cama dele e naquela mesma noite lhe paparia inteirinho.

Assim, sorrateiramente, o bicho-papão foi na frente, se escondeu debaixo da cama e esperou o molecote chegar. Não demorou muito e o danadinho chegou já cansado das reinações do dia, tirou a roupa, colocou o pijaminha listrado e deitou. Vai ser já já, disse o bicho consigo mesmo. Mas parecia que o moleque não adormecia de jeito nenhum, pois rezou e começou a falar sozinho, numa altura que cada palavra chegava nitidamente aos ouvidos do bichão.

E o menino dizia que queria ver o bicho-papão enfrentar o feiticeiro malvado que estava no guarda-roupa; que só dizia que ele era valente mesmo se tivesse coragem de olhar nos olhos do velho do anoitecer que já estava chegando; que ia deixar o bichão lhe engolir se ele primeiro agüentasse tomar um banho da água fria do balde que estava em cima da cama e que já ia jogar lá embaixo; que...”.

E o bicho-papão, coitado, se pelando de medo, nem esperou o menino dizer mais nada e saiu correndo desesperado, gritando e pedindo socorro, implorando por tudo na vida que o livrasse daquele pestinha. E deu um pulo janela abaixo que ninguém mais viu.

E o menino dormindo. Cochilando e falando alto, sozinho.

Poeta e cronista

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