ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O MENINO E O ESPANTALHO
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O MENINO E O ESPANTALHO
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Já era a segunda época de colheita que o sertanejo se via aperreado. O que seria motivo de alegria, pois a lavoura era tudo que se tinha como esperança para sobreviver, estava se transformando em motivo de graves aborrecimentos.
Verdade é que quando o milharal começava a bonecar, a soltar suas tranças amarelas pra fora da espiga, então os invasores chegavam para destruir tudo. As aves de rapina avançavam em voos certeiros, pousavam por cima das plantas, roíam as folhas verdes e carcomiam completamente as espigas.
Assim, as corujas, os carcarás, os gaviões, mas também periquitos, sabiás e anuns, chegavam e em instantes deixavam boa parte da plantação sem nada, completamente destruída, sem esperança de renascer ainda naquela safra. Então o filho do sertanejo, vendo a aperreação do pai, perguntou por que não colocava ali um espantalho.
Como o pai respondeu que até seria uma excelente ideia, mas impossível de ser colocada em prática porque não sabia fazer o danado do espantalho, então o menininho chamou para si a incumbência de dar vida ao espantador de aves gulosas.
Com a aceitação do pai, procurou troncos e garranchos, cabaças e cumbucas, calça comprida velha e camisa também comprida, se armou de outros apetrechos e começou bater, pregar, revirar, até colocar em pé sua obra prima. O espantalho estava perfeito. Do trabalho tão cuidadoso, cheio de apuros, redundou numa figura encorpada que parecia realmente gente.
Se fosse comparar com uma pessoa, poderia se dizer que era de altura mediana, nem magro nem gordo, de rosto arredondado, feição juvenil – parecendo até mesmo com o criador -, sorridente e com chapéu de palha na cabeça. O pai não acreditou no que viu, principalmente pela engenhosidade do filho.
Os dois saíram carregando o boneco em direção ao roçado e num local mais distante abriram uma cova funda, fincaram nela um pedaço de pau de boa altura, e em seguida se afastaram um pouco para ter uma visão geral de como havia ficado o espantalho. O pai olhou com estranheza para aquela figura que tanto parecia gente, e o menino mais ainda, principalmente porque tinha certeza de tê-lo visto sorrindo.
O boneco realmente começou a fazer efeito. Os bichos devoradores começaram a sumir com medo daquela figura de braços sempre abertos no meio do tempo, protegendo o roçado, dando a parecer que ali havia gente vigiando a plantação. Mas o menino todos os dias voltava ali não para ver se as aves estavam voltando, mas para confirmar grandes suspeitas.
Um dia, resolveu chegar por trás, silenciosamente escondidinho e se pôs embaixo de uma moita. Viu um gavião surgir e pousar bem em cima de um pé de milho. Mas em seguida ouviu o que jamais esperava. E o espantalho, agitando os braços dizia:
“Saía agora mesmo daqui seu gavião malvado. Não tá vendo que se você destruir essas espigas de milho vai causar prejuízo enorme para uma família pobre demais? Se você tem uma família deve saber o que significa não ter grão de milho verde pra mastigar porque vocês só pensam em destruir tudo”.
E a ave bateu asas e foi embora. No mesmo instante o menininho correu e ficou diante do boneco. Olhou-o bem no fundo daquilo que seriam os olhos e perguntou se ele falava mesmo. E ouviu: “Você me fez bem feito demais meu amigo. Agora só estou agradecendo pela vida que me deu”.
Poeta e cronista
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