ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: SOBRE FOLHAS, RELVAS E ENTARDECER
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: SOBRE FOLHAS, RELVAS E ENTARDECER
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Quando ouvi essa história, juro por Deus e Nosso Senhor do Sertão que não quis acreditar. Lembrei do poeta vitoriano, lembrei da filosofia romântica de Shakespeare, e só assim me pus a enxergar verdades nesses cotidianos incompreensíveis e inexplicáveis da vida.
Coisa simples demais à primeira vista, mas cujo significado tão imensamente forte retrata sem retoques a dor da solidão e os caminhos por ela abertos para serem percorridos nos momentos de desespero maior. Tem gente que nem cata a danada, só olha ao redor e a sente por todo lugar.
Dizia sobre uma mocinha, uma bela mocinha e sua doença sem ser de corpo nem de precisar ser curada por medicamento, mas com gravoso sintoma, cujo alívio para tanto tormento só podia ser conseguido com uma dose de campo, um tantinho de natureza, uma porção de mato, um punhado de vento, uma mão cheia de folhas e relvas, uma medida de entardecer.
A mocinha era doente de solidão, da mais triste e cruel solidão. Desde novinha, menina ainda, se sentia desamparada pela felicidade que tanto queria ter. Tinha o amor e o carinho dos pais, dos irmãos, dos amigos, de todos aqueles que a viam com doçura e equilíbrio. Contudo, não podia afastar de si essa constante intimidade com o vazio avassalador que lhe fechava as portas para a felicidade.
Por isso mesmo fugia da janela que lhe deixava ainda mais entristecida, do costume de escrever em caderninhos, do estar remexendo em bilhetes, cartinhas e fotografias. Fugia do espelho que parecia insistir no sorriso que sabia não existir, fugia dos olhares que sempre perguntavam por que estava assim tão entristecida. Muitas vezes procurava fugir de si mesma.
Para encontrar-se consigo mesma e dialogar espiritualmente sem mágoas ou desesperanças só mesmo saindo de casa, abrindo a porta, caminhando apressada rumo aos descampados, ao meio do tempo, lá nas distâncias do seu lugar onde ainda era possível encontrar a paz. Assim, era mais adiante onde a alma se reconfortava com o singelo pouso na natureza.
E a paz caminhando descalça, tocando em folhagens, acariciando a relva, sentindo o sopro do vento, acalentando o entardecer. E que retribuição sentia no espírito, como se desses seres inanimados viessem doces palavras, carinhos, abraços, uma força imensa. E por isso corria, por tudo isso cantava, pulava, era menina incontida novamente, era outra pessoa sem o escudo do sofrimento.
Mas em todo retorno uma nova dor, o vazio espiritual, a inexistência de tudo ao redor. E então decidiu morar sozinha numa casinha no mato, tendo a porta constantemente fechada e ela vivendo as alegrias em meio ao tempo aberto, conversando com as folhas, deitando na relva, repousando em meio à brisa do entardecer. E nunca mais solidão, ainda que dissessem que era loucura ser amiga e conversar com bichos, pedras e passarinhos.
Poeta e cronista
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