ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O APITO DO TREM
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O APITO DO TREM
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que lá nas distâncias dos caminhos, mais longe do que todas as léguas do olhar possam alcançar, havia um lugarejo pacato, de um povo humilde e trabalhador, distanciado do mundo como o doido é da razão, e cujo divertimento único, verdadeira fuga da rotina, era a chegada e a saída do trem.
Duas vezes ao dia, ao amanhecer e ao entardecer, o trem apitava distante e cortava aqueles caminhos igual cobra grande. Montanhoso que era o lugarejo, fincado entre elevações acinzentadas e pedregosas, nos seus lados abria a porta para o trem aparecer esperançoso bem na estrada de trilhos, surgindo primeiro os sons, depois a fumaça, para enfim sorrir com a cara enferrujada.
Na pequena estação, que constava de uma tímida construção de dois vãos e mais local adequado para aguardar a chegada ou o momento da partida, bem como para subir ou descer dos vagões, o clima era de permanente aflição. E aflição da espera, de ver o trem apitando e parando ali, os vagões se abrindo e os rostos surgindo. Será que ele vem, será que dessa vez ela veio?
E aflição também nos momentos que antecediam os embarques. Famílias chorosas, mães, pais e irmãos se abraçando; namoradas em prantos, enxugando seus prantos em lencinhos brancos que mais tarde serviriam ainda para o tristonho aceno do adeus; pessoas que simplesmente estavam por ali tristonhas, nem esperando embarque nem desembarque, mas apenas para acompanhar a vida angustiosa na pequena estação.
Mas dizem que havia por ali uma mulher que há mais de vinte anos, todos os dias e nos dois horários da passagem do trem, jamais deixava de estar de prontidão mirando ansiosa a curva do trem, assim que o apito soava e a fumaça ganhava os céus. Era triste, lamentável demais, todos os dias ver aquela mulher com aquele destino de esperar sem que ninguém descesse de um vagão e lhe desse um abraço.
Todos os dias a pobre mulher fazia o mesmo percurso, cumpria o mesmo destino dos infinitamente esperançosos. Que chovesse ou fizesse sol, quando o relógio se aproximava de determinadas horas, lá seguia ela com seu lenço na cabeça e outro numa mão, pois na outra levava uma pequena fotografia. Seguia entristecida, cabisbaixa, passos lentos, e ao chegar ficava sentada num velho banco abandonado na lateral da estação.
Ao apito do trem levantava, procurava se ajeitar e se dirigia para mais próximo do local de desembarque. Os olhos ficavam ansiosos, aflitos, avermelhados, e depois se comprimiam lentamente já tomados de lágrimas. E no semblante a dor, o sofrimento, a tristeza já envelhecida demais.
O seu filho partiu ainda jovem e um dia escreveu uma carta dizendo que voltaria, que colocaria os pés novamente naquela estação, que chegaria junto ao apito do trem. Mas já havia morrido. Mas continuava vivo para a mãe que todos os dias ia esperá-lo naquela estação.
Poeta e cronista
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