ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: SABEDORIA DO POVO

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: SABEDORIA DO POVO

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Desde os mais velhos, e muito antes destes, já se ouve dizer que o povo faz nascer um conhecimento que nenhuma ciência será capaz de fazer ou superar.

Nas tradições, nos costumes, nos mitos, nas crenças, nas manifestações religiosas e populares, nas pequenas lições que se eternizam passadas de geração a geração, eis as bases e os fundamentos do conhecimento do povo, da sabedoria popular.

Sinhá Candoca dizia que desde a quarta até a sexta-feira santa torna-se pecador aquele que não se veste de luto de cima a baixo, não jejua na comida e no banho, não se abstém de escovar o cabelo, tudo que botar na boca tem que tem um fiapo de coco, não fica permanentemente entristecida pelo sofrimento de Cristo.

E ela ficava assim, toda de preto, desde o pano amarrado na cabeça ao vestidão cumprido que chegava até o calcanhar. E descalça, procurando onde houvesse espinho e ponta de pedra para se martirizar. E quando dava acima da meia-noite virava um copo de pinga, se animava toda e caía no forró. Era a ressurreição, segundo ela.

Porifiniana, velha viúva sem nunca ter casado nem namorado, levava a vida a espalhar lições aos mais jovens. E dizia que menina que olha muito pra lua cheia é porque vai pegar logo barriga; menino que quiser namorar com menina metida a difícil tem de escrever o nome dela numa casca de pau e depois enterrar perto da raiz desse mesmo pau; menina que quer ver mais afoiteza no namorado tem que deixar o sutiã estendido no varal durante a noite, que é pra ele amanhecer umedecido.

O pescador Teoflínio, um sábio das coisas das águas, dizia que banho na primeira água da chuva levava as saudades, as recordações, os sofrimentos e as aflições, pras profundezas do mar; beber água de moringa suada serve para tirar do corpo todo calor de febre e doença ruim; colocar três pétalas de rosa vermelha dentro de meio copo e deixar virar a noite na noite, e beber ainda em jejum na manhã seguinte, é certeza que nunca mais terá sede amorosa.

Titia Marcionila dizia que colocasse tudo na boca, menos leite junto com melancia; fizesse o favor de não chegar nem na sua porta quem quisesse entrar com o pé esquerdo; quem pisar de trás pra frente em rastro de corno é porque vai atrás da mulher do corneado; achar bonito uivo de lobo em noite de lua cheia é porque vai ter o coração tomado de aflição.

Gerosa, a velha parteira, dizia sempre que passar em encruzilhada em noite sem lua corria o risco de deixar sua alma sem saber se vai por um lado ruim ou pelo outro pior; botar água na bacia e depois não conseguir se enxergar é porque não vai durar muito na terra; se caçador encontrar passarinho na sua janela é porque tem caça boa por perto; passar na frente da igreja e não se benzer é porque vai seguindo o coisa ruim.

Tudo isso dito por um velho que ouviu de um mais velho, que lhe foi repassado por sua avó. E não se pode dizer que é mentira aquilo que faz parte da verdade do povo.

Poeta e cronista

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