ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A VELHA E O VENTO
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A VELHA E O VENTO
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Porque só conto o que me contaram, tintim por tintim, é que vou ver se rememoro uma estória que ouvi há mais de duzentos anos, há muito tempo atrás mesmo, ainda quando eu vivia conversando com bichos e escrevendo cartas na areia.
Naqueles idos, ouvi, pois, uma estória tão bela quanto triste. E dizia que num pequenino vilarejo interiorano, desses que só tem uma ruela desconforme como entrada e saída, havia uma velha senhora que todo entardecer colocava sua cadeira de balanço na calçada e ficava esperando o vento soprar.
Sentava ali, começava a se balançar e a olhar para a copa da árvore que ficava adiante. Pelas folhagens balançando é que sentia a proximidade e a força do vento. E assim que ele chegava começava a conversar sozinha, a sorrir, a entristecer, e muitas vezes a chorar.
Por não saberem por que a velha senhora agia sempre assim, tinha aquele hábito diferenciado, muitos que passavam adiante até gracejavam dizendo que a broquice havia tomado conta daquele resto de vida. Mas outros não, os moradores mais antigos não. Estes já conheciam o significado daquilo tudo.
E sabiam que a velha senhora sentava ali para conversar com o vento, receber as notícias boas e ruins que ele trazia, e por isso mesmo muitas vezes mostrava alegria e contentamento e outras vezes ficava numa tristeza chorosa de dá dó.
E mais tarde, já quando a boquinha da noite chegava, um e outro velho amigo ia até lá para ouvir da boca dela as notícias trazidas pelo vento. E ouviam:
“Chuva só na semana que vem, e assim mesmo pinguinho de levantar barrufo da terra. Nem pra plantar nem pra juntar água. O vento me disse que as nuvens que vão trazer chuva ainda estão muito distantes e quando chegarem aqui já vai ser com um restinho de água na torneira”.
“Os tempos vão mudar e muito. Vento me disse que nos lugares mais distantes tudo já mudou muito, nem parecendo mais o que era antes. Mas não é coisa pra agora não, só pra daqui alguns anos. E vai chegar por aqui coisa que a gente nunca viu, parecendo até que a vida do povo vai depender em tudo do que chegar. Mas a gente não vai estar aqui mais não. Também a gente ia morrer do mesmo jeito se a vida mudasse tanto de hora pra outra”.
E um velho amigo perguntou: “E sobre a gente, o vento não diz nada não?”. Então ela respondeu tristonha:
“Sim, ele disse. O vento disse que amanhã vai falar sobre a vida da gente, dos moradores antigos daqui, do nosso destino. Só que amanhã eu não vou estar mais sentada na cadeira de balanço pra ouvir. Foi o que ele disse, foi o que ouvi do vento. E acredito no que o vento diz. Então, adeus velho amigo”.
Poeta e cronista
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