ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: AS DUAS MORTES DO GRANDE PÁSSARO

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: AS DUAS MORTES

DO GRANDE PÁSSARO

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Dizem que numa aldeia bem distante, lá pelas vastidões das florestas quase inalcançáveis por forasteiros, exploradores ou madeireiros, existia uma tribo de índios bons, assemelhados à própria terra em que viviam e amigos da mata e dos seus habitantes.

O líder desse povo nativo era chamado de Grande Pássaro. Nem bruxo nem curandeiro, nem cacique nem pajé, nem encantado nem enfeitiçado, apenas um sábio que bastava olhar para o horizonte e dizer tudo que iria acontecer com seu povo, as farturas e as ameaças.

Somente algumas pessoas, umas quatro ou cinco, haviam conseguido encontrar e manter contato com esse estranho povo. A lua era a dona da vida, o sol alimentava o espírito, as árvores eram a seiva da existência e os animais a força vital. E o Grande Pássaro o líder maior.

Um dia o Grande Pássaro reuniu as pessoas mais idosas da tribo para fazer um anúncio muito importante. Todos chegaram aflitos, angustiados, pois não conseguiam mais enxergar o brilho tão comum nos olhos do grande sábio. E ao seu povo tomado de angústia, o Grande Pássaro apenas afirmou que já estava chegando o seu tempo de alçar voo para muito além da palmeira mais alta, entrar na nuvem mais alta e sumir no ceu mais azul que existisse.

E o povo chorou três dias e três noites. Em seguida, como era costume naquela tribo, dançou em jejum por três dias e três noites seguidas. A dança era uma forma de espantar a morte que rondava o grande líder, e a fome era para que ela sentisse que não adiantava se alimentar de um povo de barriga vazia. E o Grande Pássaro representava todo o seu povo.

Numa manhã chuvosa um velho líder não saiu de seu refúgio para agradecer com cânticos a chuva esperada. Era um péssimo sinal, todos logo imaginaram e correram até lá. Encontraram o grande líder tão fraco que não podia nem abrir os olhos direito. No desespero, após fazer beberagens com ervas do mato e não dar nenhum resultado, o filho do Grande Pássaro recorreu aos homens brancos.

Ainda na tarde desse dia o velho índio foi transportado de aeronave até um grande hospital na capital. Nem recebeu cuidados médicos, pois já chegou sem vida. No retorno com o corpo, ao invés das pessoas da tribo, os indigenistas estranhamente avistaram um grande número de bichos lá embaixo, entrando e saindo das moradias. Macacos, quatis, raposas, onças, tamanduás, veados, papagaios, lebres, coelhos e muito mais estavam ali para recepcionar o corpo do Grande Pássaro.

Os outros índios se entocaram nas matas para os dolorosos lamentos fúnebres, pois já sabiam que o seu velho líder voltaria sem vida. Mas quando desceram o caixão do avião, ao colocarem em cima de um girau, simplesmente viram quando o velho índio levantou e se dirigiu para a floresta mais fechada que havia ao redor.

E um enorme pássaro alçou voo em seguida.

Poeta e cronista

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