ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O VALOR DAS PESSOAS

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O VALOR DAS PESSOAS

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Dizem que num lugar bem distante, desses que a gente nem imagina onde fica, morava um velhinho solitário em meio a uma comunidade festiva.

O velho era pessoa conhecida demais por todos, mas não pelas suas posses, poder, influência ou coisa parecida, pois era pobre na mais realista expressão da palavra. Morava sozinho, num fim de rua, já descambando pro mato, numa casinha de quarto e sala e quase caindo.

Como dito, era conhecido por todos pela sua inteligência, sua filosofia sertaneja, homem das palavras certas e conselhos certos. Desde os mais velhos aos adolescentes, todo mundo sentia o maior prazer em conversar com ele, tirar dúvidas, receber conselhos e lições.

Por isso mesmo era sempre visto rodeado por gente no banquinho da praça onde costumava sentar. Quando não estava em casa conversando sozinho, arrumando uma coisinha ou outra, seu destino era o banco da praça, ficando ali atendendo pessoas, apreciando os acontecimentos, aprovando ou não com o olhar e a mente tudo que se passava ao redor.

Era dia de festa da padroeira, ou melhor, o primeiro dia, pois as comemorações, com forrós, bailes jovens, quermesses, missas e procissão durariam três dias. E estava exatamente sentado na praça observando as arrumações para a festança de logo mais, as pessoas passando apressadas com suas compras, todos sorridentes e felizes, quando sentiu uma pontada no peito.

O envelhecido e já frágil coração não suportou e o velho e sábio sertanejo caiu já sem vida. Fato é que uma pessoa vivia sempre rodeada por gente em dias normais, naquele dia de anseio pela festança ficou completamente esquecido. Por isso mesmo ficou ali morto, jogado ao chão da praça, por mais de duas horas sem quem ninguém ao menos quisesse saber o que tinha acontecido.

Avistado por umas beatas que passavam, foi levado até sua casinha e deixado lá estirado num banco até que uma alma bondosa providenciasse um caixão. Como ninguém se dispôs a botar a mão no bolso, estenderam a velha rede do velho e o colocaram lá dentro como se fosse um esquife. Uns vizinhos tiveram essa ideia, porém não se lembraram de velá-lo instante algum.

Acenderam uma vela ao lado da rede e o defunto ficou sozinho na sua tapera. A noite chegou, a vela apagou, a porta aberta deixava entrar um vento tristonho. Tudo escurecido e o corpo estendido na rede, velado pelo silêncio e pela solidão. Amanheceu assim, sem ninguém lembrar de entrar pela porta.

Amanheceu assim, e o povo cansado da festa, extenuado de tanto dançar, beber e brincar, simplesmente preferiu cuidar de si mesmo. Um vento mais forte escancarou a porta e a janela e fazia a rede balançar. E dizem que quando passam adiante ainda se avista uma rede armada, levemente balançando. E isso muitos dias depois.

Poeta e cronista

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