ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: AS BEATAS

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: AS BEATAS

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

Dizem que duas velhas beatas, dessas que não saem da igreja nem largam os seus xales, roupões e livros bíblicos nas mãos, conversavam ajoelhadas perto do altar sobre as mais belas passagens contidas nas sagradas escrituras.

Uma citou três passagens que seriam pérolas da sabedoria:

Do Livro dos Salmos, 16, 1-3: “Ouvi, Senhor, uma causa justa! Atendei meu clamor! Escutai minha prece, de lábios sem malícia. Venha de vós o meu julgamento, e vossos olhos reconheçam que sou íntegra. Podeis sondar meu coração, visitá-lo à noite, prová-lo pelo fogo, não encontrareis iniqüidade em mim”.

No Evangelho de São João, 15,13: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos”.

No Livro de Romanos, 8,39: “Nem as alturas, nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, nosso Senhor”.

A outra prontamente apresentou suas lições preferidas:

Em Salmos 17,3: “O Senhor é o meu rochedo, minha fortaleza e meu libertador. Meu Deus é a minha rocha, onde encontro o meu refúgio, meu escudo, força de minha salvação e minha cidadela”.

Em Deuteronômio 20,10: “Quando te aproximares para combater uma cidade, oferecer-lhe-ás primeiramente a paz”.

Em Eclesiástico 22,25: “Quem lança uma pedra aos pássaros, fá-los fugir; assim, quem insulta um amigo, rompe a amizade”.

E o velho sacerdote, que silenciosamente havia se colocado atrás para ouvir o que as duas fiéis conversavam, num gesto que ele mesmo reconhecia ser um pecado imperdoável, após ouvir a sabedoria expressada pelas duas, falou-lhes, causando imenso susto.

E perguntou se elas não gostariam que ele mesmo, um fiel pastor das palavras divinas e homem entregue fervorosamente à vida sacerdotal, dissesse uma palavra de máxima sabedoria. Ora, as duas se alegraram com tal perspectiva e pediram encarecidamente que ele expressasse sua opinião.

Então o padre foi logo dizendo: “Para ser honesta com Deus e com os mandamentos da igreja, a pessoa deve também ser honesta consigo mesma e com o seu lar. Vocês já tomaram banho hoje, varreram a casa e lavaram os pratos antes de virem até aqui conversar sobre suas sabedorias? Juro que não. Então voltem agora mesmo para fazer o que sempre tem preguiça de fazer. E eis o pecado maior. Agora, andem, vão suas preguiçosas imundas...”.

Envergonhadas, vermelhas dos pés à cabeça, as duas saíram esbravejando, dizendo que não voltariam mais àquela igreja. De agora em diante iam ser evangélicas. Dariam dinheiro ao pastor, mas em contrapartida ele não as mandaria tomar banho nem varrer a casa e lavar os pratos.

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

blograngel-sertao.blogspot.com