ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: AMORES E DESILUSÕES
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: AMORES E DESILUSÕES
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que numa cidade interiorana, coisa de trinta anos atrás, morava um povo sério, honesto e trabalhador. De tão decente que era o povo, quase não se ouvia falar em adultério, em menina se desvirginando novinha, em namoro cheio de safadeza.
Pra namorar dava um trabalhão danado. Umas duas semanas olhando a moça, mais duas pra piscar o olho e mandar um beijo, mais uma pra mandar a flor e o bilhete, mais uma pra querer saber se ela queria namorar. Se quisesse, então começava outro procedimento demorado demais.
Pra o primeiro encontro até o povo da rua ficar sabendo até que era coisa rápida, muito mais ligeiro do que os pais da mocinha aceitar o namoro da filha com o tal enxerido. Se houvesse concordância então ele já podia freqüentar a casa da futura esposa. Ora, namorar já era sinônimo de quase casamento.
Em outro lugar de jeito nenhum, pois era desonra demais pra uma solteira e sua família que ela namorasse em outro local, sem a presença vigilante do pai ou da mãe. O namoro tinha de ser mesmo na casa dela, depois do café tomado e colocado duas cadeiras na varanda ou sala da frente, aos olhos da mãe que fingia costurar ou folhear qualquer coisa.
Quando o rapaz chegava dava boa noite aos pais e sentava ali ao lado da bem amada, falando coisas amenas, pois os ouvidos da velha estavam sempre atentos. Por isso de vez em quando se ouvia um pigarreado discriminador. Quando se imaginava que ela estava cochilando e procuravam trocar uma carícia ou um beijo, o olho que ficava sempre aberto avisava à boca, e esta dizia que já estava na hora dele ir embora.
Contudo, certa vez um rapazote não suportou essa eterna situação de vigilância, sem poder ao menos passar as mãos pela perna dela, sem apertar suas coxas ou beijar na boca e tramou uma fuga. Assanhada demais, afogueada que nem chama ao vento, ela topou na mesma hora. E marcaram pra fugir naquela mesma noite, depois das duas da manhã.
No momento certo, ciente de que os velhos já roncavam a sono solto, ela saiu devagarzinho, pé ante pé, de mala na mão e em busca da porta do fundo, que dava para o quintal, onde ele já estaria aguardando. Só que amedrontado, se pelando de medo de encontrar o pai dela ali, o rapaz nem passou pelos arredores. Nem saiu de casa, pois dormia sem nem se lembrar do compromisso.
E quando a coitadinha saiu, andou de um lado a outro tentando enxergar seu amado e até chamando baixinho por ele, de repente ouviu uma voz chamando seu nome. Era seu pai que estava em pé na porta aberta e já pronto para fechá-la novamente. Disse apenas que seu mundo agora teria de ser dali pra mais longe. E nunca mais lembrasse que tinha pai nem mãe.
Então ela seguiu pelo mundo, sozinha. Preferiu amar a solidão e a dor do que aceitar olhar outra vez nos olhos daquele que traiu sua esperança de mulher.
Poeta e cronista
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