O Pão de Açúcar sumiu

Pedro Paulo ouvira poucas frases tão fortes e secas.

As lágrimas embaçam a vista, tombam no teclado, e dificultam a correção do texto no monitor.

Fazia lembrar o tio, médico lá no sobrado do avô , saindo do quarto e dizendo solene: Seu Benjamim morreu.

Naquele dia, as mangueiras, goiabeiras e os balanços de corda se transformaram em sombra sem sol no pomar escuro da manhã.

Escutava os fúnebres sinos da Matriz, tocando sobrepostos ao eco das palavras do tio médico.

Hoje, lembranças de infância assolam sua mente e costuram rotos tecidos semelhantes.

Voltava no tempo mais recente, tentava se lembrar dos passos que distanciaram Mônica de suas vidas. Reconstituía alguns dos sinais que nos momentos mais exaltados ela relatava reclamando, machucada.

Nada contribuía para esclarecer os fatos que agora moíam seus sentimentos, aceleravam seu pulso e arfavam incontrolável o diafragma, injetando indispensáveis golfadas para sua mente confusa. Lá fora, uma mansa e incansável chuva escurece de nuvens a manhã onde cai.

A cirurgia de Mônica já deve estar começando lá em São Paulo e Pedro Paulo aqui, nesta situação. Já não era mais namorado de Mônica; havia outro em seu lugar, mas ela não deixava escapar o menor sinal da importância do seu sucessor na vida dela. Muitos amigos diziam que o tal namorado era só para fazer ciúmes, mas ninguém conhece o que mostram e ocultam os gestos de uma pessoa.

Pedro Paulo lembrava-se de tê-la dado pouca assistência em alguns momentos. Não a tratara com os cuidados que se deve ter com uma mulher tão especial. Também, nunca tinha vivido com uma mulher assim; descuidou-se, mas já se penitenciara com ela, e havia prometido mudar muita coisa para ela não o abandonar.

No tempo que viveram juntos, construíram uma casa no sopé da montanha, onde acompanhavam gaviões voando namoros no céu da tarde. Observaram nuvens se formando e dissipando em desenhos intermináveis na montanha, trataram dos casais de Seriema, junto com a neta, deram banho em festa na cachorra que deram o nome menina, fizeram amizades, plantaram flores, arbustos, tomaram vinho na frente da lareira conversando sobre a vida , a poesia, a filosofia . Fizeram amor, se fecharam bocas com beijos para segurar os gritos de prazer dos ouvidos dos vizinhos. Falaram de famílias que acabam, dispersam. Prometeram-se, criaram vínculos, asseguram-se.

Pedro Paulo , em umas dessas conversas não se esquece de ter escutado de um primo de Mônica: “o perdão é a coisa mais importante do cristianismo, porque contribui para a construção e permanência do mundo e das instituições.

- Fora do perdão, só há a dissipação!”

Agora vem aí o Natal, com tudo que se ritualiza de amor e Pedro Paulo perde o chão e toda a memória desse tempo que abriu fosso e engoliu tudo isso.

Quando decolava e passou ao lado do Pão de Açúcar, imaginou uma Pedra daquela deixando de existir de uma hora para a outra, e lembrou-se do amor que Mônica dizia ter tido por ele, e depois a outras palavras da Mônica sentindo-se já desistida: “Você foi se distanciando, e eu chorava, chamava e você ia saindo...”

Pedro Paulo sentia, doía-lhe profundo, mas aos seus ouvidos parecia um texto de justificativa para se destruir coisa muito grande e importante - coisas de não se destruir. Tentava se lembrar, mas não conseguia se aperceber dos mesmos fatos: Monica era sempre tão pouco reivindicante, talvez tenha passado por esse sofrimento sem se expressar. Pedro Paulo tinha certeza que se ele soubesse que Mônica estava se afastando , sofrendo , ele teria interferido, mudado - tinha certeza. Mas Mônica desferiu a terrível frase que hoje passa a ecoar eternamente pelas fibras doloridas de Pedro Paulo:

- “ Um dia você já havia saído, não estava mais ali.” “já não sentia mais sua falta. O sentimento acabou” .

O Pão de Açúcar desaparecera.

Como declarara o médico ao sair da porta do quarto do avô de Pedro Paulo, o amor acabou.

Pedro Paulo já não fazia mais falta na vida de Mônica, faria falta a quê?

Bte, 2:24 de 18/12/2011

Raw Lin Son
Enviado por Raw Lin Son em 18/12/2011
Reeditado em 01/03/2012
Código do texto: T3394646