ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O APRENDIZ DE POETA
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O APRENDIZ DE POETA
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que num lugarejo distante, entrecortado por montanhas, paisagem de ventos e ventanias constantes, cenário outonal nas cores e formas, morava um povo tristonho, sem quase nenhum sorriso na face, sem demonstrar qualquer alegria em nada do que fizesse.
Era um povo poeticamente triste e solitário, porém sem jamais imaginar o que fosse um verso, uma estrofe poética, uma rima de amor ou de dor. A não ser um rapazinho, jovem adolescente, que um dia tinha ouvido de um forasteiro que os sentimentos das pessoas podem sair da alma e ganhar vida através da poesia.
Contudo, não entendeu melhor sobre a tal poesia porque o estranho afirmou que o único problema em ser um apreciador da tal escrita era o entristecimento cada vez mais profundo que tende a se abater sobre determinados poetas, principalmente aqueles que gostam de escrever sobre desilusões amorosas, solidão e sobre a própria condição humana sobre a terra.
Não entendeu nada disso não, sabendo apenas o que era tristeza e desilusão, mas prometeu a si mesmo que arriscaria padecer ainda mais para se tornar num verdadeiro poeta. Mas como não tinha nem caderno, agenda ou qualquer livro de páginas em branco, ficou imaginando onde poderia escrever sua poesia.
Caminhava pelos campos escrevendo nas folhas das palmeiras, nos troncos das árvores, pelo chão. Catava uma pedra pontiaguda e fazia de lápis, muitas vezes fazendo jorrar da árvore cortada uma seiva dolorida, avermelhada, parecendo sangue. E com esta seiva espalhava pelas folhas palavras tristes, orações silenciosas do coração, um amor difícil de existir.
Buscando motivos na solidão do entardecer, no sopro do vento, no voo dos pássaros, na magia da natureza, recostava-se a uma pedra em cima da montanha e enchia os olhos de lágrimas. Com o olhar encharcado começava a imaginar ter à sua frente páginas e mais páginas escritas sobre todos aqueles momentos vividos.
E então começava a se indagar: Meu Deus, a poesia é assim tão bela e tão triste, ser poeta é maravilhar-se com tudo e de tudo colher que mais fere e tortura, ainda que fruto do que há de mais maravilhoso no mundo? Ser poeta é irresignar-se, revoltar-se, contrapor-se ao mais sublime e singelo simplesmente por que o ser humano é incapaz de tirar proveito de tanto encantamento? Ser poeta é entristecer-se pela alegria do mundo e tentar mostrar que sua tristeza se justifica pela perenidade do que ainda resta de bom?
O menino era alfabeticamente humilde demais para entender a profundidade dessas coisas, mas imaginava, se interrogava e encontrava respostas porque já tomado pela filosofia poeta que os autênticos bardos possuem intimamente. E por isso mesmo ele até que podia escrever numa casca de pau, riscar numa folha ou desenhar palavras pelo chão.
Mas já era poeta, e um poeta autêntico e original. Bastava ver seu olhar de dúvida, de entristecimento e espanto diante de tudo. “Ai quem dera o verdejante ramo de flor brotar novamente... E fazer nascer uma flor que morrerá após o por do sol...”
Tudo tão belo e tão triste. Simplesmente poesia.
Poeta e cronista
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