ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: OS VELHOS BRINQUEDOS
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: OS VELHOS BRINQUEDOS
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que num lugar bem distante, lá onde o vento se esconde, chamado Cafundó do Judas, aconteceu uma cena mais que inesperada.
Segundo relatam, os meninos de antigamente que viviam no lugar só gostavam de brincar com brinquedos ali mesmo da terra, tirados da mataria, fabricados pelas mãos artesãs dos moradores, frutos de uma criatividade infinita.
Por isso mesmo que toda ludicidade infantil era acompanhada do cavalo de pau, da bola de meia cheia de fiapo de pano, de ponta de vaca, de boneca de pano, de casinha de brinquedo, de baleadeira, de minúsculas cozinhas feitas de pedacinhos de madeira. E muito mais...
Com tais brinquedos, pelos quintais das casas, nos cantos dos aposentos, embaixo do sol escaldante ou da lua brilhante, a meninada fazia sua festa. E os objetos de diversão, tão cativados e amados que eram, verdadeiramente ganhavam sentimentos.
Desse modo, a boneca de pano ficava entristecida e até chorosa se sentia que sua pequena dona estava angustiada e cheia de descontentamento; o cavalo de pau silenciosamente relinchava se seu vaqueiro moleque o deixasse esquecido por muito tempo; o carrinho de madeira enguiçava por conta própria; a casinha de madeira ficava batendo a porta raivosa.
Pior ainda quando os meninos foram crescendo e deixando toda a brincadaria pelos cantos e porões, esquecida de vez e jogada ao esquecimento. E com o surgimento de novos brinquedos mecanizados, todos comprados na cidade grande e levados até ali, a situação piorou ainda mais. Ninguém sequer ao menos falava mais naqueles sublimes e majestosos passatempos de antigamente.
Mas um dia, uma boneca de pano que há muito dormia esquecida num canto qualquer, acordou e tomou uma decisão. Verdade é que resolveu sair da toca, reencontrar os amigos e vivenciar as alegrias contagiantes dos velhos tempos.
E desse modo foi passando de baú em baú, de caixa em caixa, de canto a canto, de armário a armário, por todo lugar onde houvesse um velho brinquedo esquecido, e fez um convite para o grande encontro dos brinquedos abandonados, trocados pelas bugigangas forasteiras.
Marcaram então o encontro na casa de brinquedo, porém sabendo que pelo tamanho tinham de ficar todos zanzando do lado de fora. E o primeiro a chegar correndo foi o cavalo de pau, depois veio a ponta de vaca e o carrinho de lata de óleo. E a sala se encheu de tal forma que chamou a atenção do pai de um garotinho que estava em outra sala ensinando videogame ao filho.
Assim que se dirigiu até lá, abrindo a porta devagarzinho, se deparou com aquela festança dos seus velhos amigos. E chorou feito menino, com saudade dos tempos idos. E a partir daquele instante os seus filhos passaram a amar todos aqueles brinquedinhos simples e cheios de significado para a verdadeira infância.
Poeta e cronista
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