ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: BICHO DANADO

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: BICHO DANADO

Rangel Alves da Costa*

Conto o que me contaram...

No sertão nordestino todo mundo sabe que cobra é um dos bichos mais traiçoeiros que existem. Quando ela cisma de lançar suas garras peçonhentas sobre o calcanhar de um se arma de estratégias que até os mais espertos generais duvidam.

Muitas vezes, vivendo nos arredores da mataria, a peçonhenta passa a conhecer todos os moradores das redondezas, seus hábitos, os instantes que passam em direção ao roçado, ao descampado, à beira do riachinho.

Conhecendo tais hábitos dos moradores, logo escolhe um para ser sua vítima. Depois que faz essa escolha só mesmo Deus e reza forte para salvar da mordida e morte certeira. Todas as cobras não, mas o cascavel, a jararaca e a coral possuem venenos que são perigosos demais, principalmente porque naqueles rincões dificilmente se encontra o soro antiofídico para o adequado combate.

Pois bem. Se uma velha cascavel atinar que vai morder um cabra, o indivíduo pode saber que já está correndo perigo de morte. Ele nem imagina, mas verdade é que ela sabe a hora que ele faz o percurso pela estradinha e ali se põe na beirada, nos escondidos das pedras ou da galhagem, esperando o momento certo de dar o bote.

Para a venenosa tanto faz que ele passe naquele dia ou horário, pois ela vai continuar sempre esperando ali. Se passar uma semana sem fazer o percurso, ainda assim todos os dias ela vai fazer sua tocaia, ficar pronta no mesmo logo para dar o salto fino e certeiro em direção ao inocente calcanhar.

Somente em uma situação a cobra vai deixar de esperar sua vítima e pensar em atacar outra pessoa. E isto acontece quando, após alguns dias sem que ela sinta a presença dele, saia cortando a estrada, no seu rastejar de cobra, para se certificar que não há mais rastro algum por ali. Muitas vezes segue até a casa do indivíduo para sentir se ele sumiu mesmo ou não.

Contudo, ouvindo certa vez essa história de seu avô, um garotinho, danado que só ele, matreiro demais e conhecedor de todos aqueles caminhos e veredas, resolveu aprontar pra cima do cascavel. E fazendo o que já sabia de outra estória ouvida.

E lhe foi dito que a cobra também toma banho ao calor do sol e quando vai entrar nas águas dos tanques, riachos ou barreiros, deixa a sua pele escamosa escondida dentro de qualquer moita ou tufo de mato que tenha perto de onde vá tomar banho. Depois de se banhar, se aquece ao sol e segue em direção ao local para colocar novamente sua couraça.

E o menino perguntou o que aconteceria se a cobra não encontrasse mais sua pele escamosa. Endoida de vez, se enraivece de tal forma, que se enrola toda em si mesma, se morde toda e acaba morrendo de raiva, furiosa. É um verdadeiro suicídio de cobra ensandecida pela escama perdida. Foi o que obteve como resposta.

E no dia seguinte o menino ficou a tarde inteira escondido na beirada do riachinho e nada de cobra alguma aparecer. No outro dia fez a mesma coisa e nada. No terceiro dia apareceu um cascavel todo afoito, de pele brilhosa e cheio de veneno. Observado tudo, o menino viu quando ele se dirigiu até a loca de uma pedra e de lá saiu todo esbranquecelo, sem a escama, em direção à água.

E o menino nem pensou duas vezes. Quando ela entrou na água ele correu até o local, afastou a pedra e espatifou o que encontrou. E depois não esperou tempo ruim, pois saiu numa carreira que nada lhe segurava, com a intenção de retornar logo cedinho no outro dia para ver o resultado.

Quando voltou no outro dia encontrou a coisa mais feia do mundo. Mas como é difícil falar sobre suicídio de cobra, então fica agora na sua imaginação.

Poeta e cronista

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