ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A VOZ DO VENTO
ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A VOZ DO VENTO
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que num lugar bem distante, uma aldeia aonde ninguém chegava ou saía, o linguajar do povo era tão resumido que nenhuma palavra nova era falada, inventada ou ouvida há mais de quinhentos anos.
Aquele humilde povo parecia acostumado demais apenas com o “bom dia”, “com licença”, “por favor”, muito obrigado”, “que Deus lhe abençoe”, “que a paz esteja convosco”. Quando muito se falava em “tarde de missa celebrada por anjos”, “noite de ninar boneca de pano”, “um manjar das frutas do pomar do Senhor”.
Todo mundo sabia o que era amor, amar, querer, paixão, namoro, tristeza, angústia, solidão, dor, alegria, felicidade, abandono, porém todo mundo vivia silenciosamente tais sentimentos. Não precisava falar nada a ninguém, pois cada um já entendia o outro pela feição e pelo olhar.
Mas uma tarde dessas revoada, eis que desponta um menino correndo pela ruazinha da aldeia, gritando euforicamente, com gestos esvoaçantes que pareciam coisa do outro mundo. O velho pescador correu para junto dele, a velha rezadeira quase se ajoelha a seus pés, a beata começou a se benzer dizendo que enfim ouviria a voz da inocência.
Com todos eufóricos para saber o que se passava, o que ele tinha visto para estar desse jeito, o garotinho apenas apontou para os lados do alto da montanha e disse que tinha ouvido a voz do vento. E disse mais: “Quem estiver achando que é minha mentira pode ir lá em cima da montanha e ouvir a voz do vento”.
Espantados, todos perguntaram o que o vento havia dito. Então ele disse que havia sido uma coisa muito importante, mas que não diria não, pois quem quisesse ouvir tais palavras que fosse lá onde ele estava.
O padre foi e voltou ainda mais tomado de religiosidade; a beata retornou chorando de se acabar; a mocinha linda mostrava a face mais rosada que havia; o doidinho de pedra chegou atirando folha seca no ar; o velho pescador mostrava um largo sorriso no rosto.
Assim que retornaram, o menino chamou-os na beira do rio e perguntou a cada um o quais as palavras ouvidas. Mas o estranho é que ninguém sabia realmente expressar o que tinha ouvido. Então o padre propôs que o menino dissesse o que tinha escutado pra ver se coincidia com o que os outros pensavam em dizer e não conseguiam.
Então o menino disse: “Ora, o vento soprando diz a palavra que eu quero ouvir. Como não tem voz, ouço o que quero na minha mente. O senhor, padre, por exemplo, veio de espírito elevado porque ouviu a voz de Deus, não foi mesmo?”.
Poeta e cronista
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