TEMPESTADE - 88
TEMPESTADE – 88
Rangel Alves da Costa*
Assim que o maluquinho anunciou que iria revelar o tão importante segredo, e imaginando que poderia dizer respeito ao seu nome e, o pior, também envolvendo a professorinha, o seminarista colocou as mãos na cabeça em total desespero, depois tentou correr para segurar o rapaz, fazer com que mudasse de ideia, mas não teve jeito. Teté se dirigiu até o altar e bateu palmas, querendo a presença de todo mundo ali.
Menos Tristão, que correu e se fechou na sacristia, e Antonieta, que estava num canto da igreja toda agachadinha parecendo uma bola, nervosa de estremecer, chorando de não acabar mais, temendo ainda que o escrito a fizesse enlouquecer novamente. Verdade é que totalmente sadia, com o juízo aceitável, não podia estar.
E assim que fechou a porta Tristão se ajoelhou e começou a implorar pela ajuda divina, pela benção dos santos, pelo refrigério dos anjos, por tudo que o fizesse forte para ouvir o que infelizmente sabia que ouviria. Um dia esse imenso amor que se manteve tão escondido, segredo guardado a sete chaves em dois corações, enfim seria revelado.
Saber com toda certeza ainda não sabiam não, pois tudo à força da fofocagem, do disse-me-disse, das conversas alheias semeadas para colher qualquer fruto, mas o que talvez fosse revelado pelo maluquinho nem era mais novidade para aquela trupe de mulheres desarvoradas.
Daí que os únicos que ainda não sabiam que os outros já tinham ouvido algo a respeito eram precisamente os dois apaixonados, Tristão e Suniá. E eles mesmos haviam revelado, mesmo que inconscientemente, enquanto ardiam em febre. Se ele já soubesse dessa versão do amor impossível passado de boca em boca, ali entre as mulheres e na escola entre os alunos, talvez até não estivesse tão aflito assim, temeroso demais pelo seu futuro de seminarista após a revelação.
Com o coração apertado, de olhos fechados, mãos em oração, precisando mais que tudo ser ouvido por Deus naquele momento, ele orava:
“Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa maldade, e em cujo espírito não há engano. Quando eu guardei silêncio, envelheceram os meus ossos pelo meu bramido em todo o dia. Porque de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; o meu humor se tornou em sequidão de estio. Errei Senhor, prometido a semear tua palavra através do sacerdócio. Confesso-te o meu pecado, e o meu não encubro. Dizia eu: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoarás a maldade do meu pecado. Por isso, todo aquele que é santo orará a ti, a tempo de te poder achar; até no transbordar de muitas águas, estas não lhe chegarão. Tu és o lugar em que me escondo; tu me preservas da angústia; tu me cinges de alegres cantos de livramento...”. Seguia, pois, os passos do Salmo 32.
E, num Ato de Contrição, invocou: “Senhor, meu Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro. Criador, Redentor e Salvador meu; aqui chego a vossos pés, a mais ingrata criatura, qual outro filho pródigo, que vem buscar a casa de seu pai. Ó quem me dera que minha dor fosse tão grande, que correspondesse às muitas ofensas com que vos tenho tratado. Pois tenho vivido obstinado no pecado. Mas amar uma bela mulher é pecado Senhor? E ela é tão bela, tão meiga, tão doce. Amar. Senhor, que tão grande erro, que imenso pecado será amar? Pecado maior seria continuar enclausurado no sofrimento, fingindo fugir do mundo por medo de gritar diante de todos que amo e amo com o mais profundo amor. Mas, certo de que não desprezeis corações arrependidos, chego a vossos pés, qual outra Madalena arrependida. Não me negues o perdão, que eu contrito e arrependido, no íntimo de minha alma, me preza de vos ter ofendido; por serdes vós que sóis; de ser amado sobre todas as coisas, e proponho firmemente, ajudado com o auxílio da vossa divina graça, nunca mais vos ofender. E para não ofender a tua igreja, abdico dela para o sacerdócio, mas continuando na minha estrada de pastor e semeador da verdadeira palavra divina. Perdoai-me, pela vossa infinita misericórdia. Amém!”
E por fim: “Por tudo isso, meu Deus, ó infinita bondade, que sofreu por meu amor! Perdoai-me as minhas culpas, já que sois meu Redentor! Tende misericórdia, Senhor, tende misericórdia de mim que sou pecador por amor. E dai-me, dai-me aquela linda flor Suniá, por amor, por amar!”.
Do outro lado as mulheres se estabanavam por cima de tudo, quase pulando os bancos, tropeçando no que encontrassem pela frente, acorrendo o mais próximo possível do altar para ouvir o que o maluquinho – na verdade, muito mais esperto e consciente do que muitos que se acham em plena sanidade mental – tinha a dizer dessa vez.
E logo começaram a ouvir:
“Vou falar bem alto que é pra você ouvir também, viu seu seminarista? Sei que tá bem aí do outro lado da porta, com o ouvidinho colado na madeira e o coração querendo pular do peito. Cuidado Tristão, cuidado com o coração, guarde ele bem forte para o grande amor que enfim viverá. E quanto a vocês, que sei que não sobrevivem sem se incomodar com a vida dos outros, com o que os outros deixaram ou não de fazer, então vai ser um prato cheio o que tenho a dizer, ainda que vocês, matreiras como são, já tenham conhecimento de metade da missa. Já sabem que o seminarista Tristão guarda um grande amor em segredo, que ama muito uma mocinha muito bonita e o que o nome dela é Suniá, a professorinha. E já devem imaginar que ela sente o mesmo por ele, e que sofre muito porque a vida de seminarista dele impede que se unam no amor de um homem e uma mulher. Até aí talvez vocês já saibam de tudo, ou talvez mais, pois o que não sabem vocês inventam. Mas o que vou dizer agora ninguém sabia ainda...”.
E de repente a porta da sacristia se abriu e dela surgiu Tristão, gritando: “Se é alguma coisa que eu nem sei, então diga na minha presença!”.
continua...
Poeta e cronista
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