TEMPESTADE - 87

TEMPESTADE – 87

Rangel Alves da Costa*

Na igreja, todo mundo, inclusive o seminarista Tristão, ficou espantado quando Teté disse que havia recebido a incumbência, lá na montanha e daquela voz que agora tinha a certeza ser a de Deus, de encontrar o caderninho e trazer ao conhecimento de todos o que estava escrito na página que Antonieta não havia conseguido ler.

Depois do ocorrido, até mesmo afetando o seu juízo, Antonieta não lembrava sequer da primeira palavra ali escrita. Não recordava de nada, mas a simples menção de trazer de volta aquilo para ser lido, lhe deixava completamente atordoada. Sentia-se mal, com pensamentos trágicos, ruidosos, completamente agoniada. Era tudo temeroso demais para ela.

Procurava forças para impedir que isso acontecesse, dizer que seria uma loucura, afirmar que a leitura daquilo só faria tudo piorar, mas não conseguia se expressar. Ademais, temia que ao falar alguma coisa nesse sentido eles achassem que estava enlouquecendo novamente. Mas sua preocupação não ficou silenciosa, pois o seminarista começou a indagar a Teté:

“Admiro que o anjo mensageiro não tenha me falado nessa sua incumbência recebida lá na montanha. Como bem sabe, mensageiro vem sob a ordem de um superior, vem para cumprir aquilo que lhe foi ordenado. Ou não lhe cabia me deixar conhecedor de tudo ou sabia que a outra parte da história estava reservada a você. Penso no acerto dessa última hipótese. Falou-me sobre tudo do caderninho, me fez guardar no pensamento palavra por palavra, como aliás eu relembrei aqui, mas juro que não falou nada disso não. Contudo, se assim foi feito é porque deve ter um motivo. Se é um desígnio de Deus que você encontre o objeto que contém escrita de tamanha importância, que assim seja. Se eu já estivesse com as pernas mais firmes e o corpo mais revigorado, juro que ajudaria você nessa busca, que não deve ser tão difícil assim, pois o caderninho não poderia ter sido levado daqui. A não ser que...”.

E Antonieta, quase dando um piripaqui, interrompeu para perguntar: “A não ser o que seminarista?”. Sem se afetar com a indagação, ele continuou:

“A não ser que, tão misterioso e tão cheio de revelações que é, alguma força oculta, logicamente não interessada na sua divulgação, tivesse feito sumir daqui de dentro mesmo, sem que nenhuma mão humana tivesse ajudado nisso. Se ocorreu assim está muito difícil de ser encontrado, somente restando a esperança daquilo que o próprio Teté ouviu lá na montanha...”.

“Diga logo tudo, homem de Deus!”, gritou Teté, apavorado, já temendo não ter como fazer o que deveria e não conseguir trazer a manhã com o sol tão desejado. E ouviu-se novamente Tristão:

“Ora, Teté, se lá na montanha disseram que você encontraria é porque efetivamente há de ser assim. Como tudo na vida só é conseguido com dificuldades, por isso mesmo é que devemos procurar aquilo que queremos a toda força e a todo desejo de alcançar. Para finalizar quero dizer uma coisa que será uma verdadeira luz. Enquanto eu estava adormecido senti como se algo me levantasse da cama e me trouxesse até este local da igreja, mais precisamente ali próximo ao altar, e fez com que eu recolhesse um objeto que estava caído no chão. Vagamente lembro que levei este objeto, que bem pode ser o tal caderninho, e o coloquei em algum lugar, aqui mesmo na igreja...”.

“Se está aqui então vou agorinha mesmo procurar. Você seminarista, que ainda não está totalmente sadio e mais tarde vai precisar ter muita força para enfrentar outra situação, também complicada mas fácil de resolver, volte lá pra sua cama. Volte pra lá e procure repousar o quanto puder que se precisar de alguma coisa não vou pensar duas vezes para lhe acordar...”.

E voltando-se para as mulheres falou: “E se vocês quiserem me ajudar a procurar então não fiquem aí paradas, coloquem o focinho no chão e os dedos nas tocas. Fucem tudo, comecem a fuçar em todo canto e em toda brecha, vão catando pelos cantos, por cima e por baixo de tudo. Olhem por baixo das coisas e nos lugares mais escondidos, pois aquela que achar o caderninho vai ter a honra de fazer aquilo que o Senhor mandou, que é ler o que está escrito, ali em cima do altar, bem alto e bom som, para todo mundo ouvir”.

Tristão já ia voltando para a sacristia quando se ateve às últimas palavras do maluquinho. Ora, ele havia dito que era preciso ficar logo com a saúde totalmente recuperada porque mais tarde iria ter de enfrentar outra situação, resolver um problema, ainda que fácil de ser solucionado. Mas o que seria?

E sentiu o corpo estremecer e o coração pulsar mais forte quando lhe veio imediatamente à mente o nome, a feição, o jeito, o cheiro da professorinha. Talvez nem fosse isso ao que ele havia se referido, mas quando pensava num problema sério que tinha a resolver não poderia pensar noutra coisa: a professorinha. Como estaria ela, o que fazer dali em diante, se não podia mais continuar escondendo tanto amor?

E de súbito gritou chamando o maluquinho, que já estava pronto para dar início à busca. “Teté, sei que você está com pressa e é justo que esteja, mas preciso que venha um instantinho aqui dentro da sacristia e me fale tudo que sabe sobre aquela mocinha Suniá. Ela estava muito doente, não é mesmo, como ela está agora? Por favor não me responda aqui, vamos até lá dentro, pois temo que essas fofoqueiras aí ouçam a nossa conversa e pensem maldades. Afinal, sou um seminarista prometido ao sacerdócio, à vida religiosa. Venha, vamos...”.

Mas Teté mais uma vez surpreendeu. Olhou bem nos olhos do seminarista, tocou levemente na altura do seu coração e rapidamente se dirigiu até o altar e bateu palmas, chamando a todos para ouvir uma grande, uma imensa revelação.

continua...

Poeta e cronista

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