TEMPESTADE - 81

TEMPESTADE – 81

Rangel Alves da Costa*

Depois do que ouviu e da incumbência que passou a ter, Teté desceu a montanha como se estivesse descendo tranquilamente uma escada, ainda que correndo sempre, como costumava fazer em quase tudo. Mas na sua cabeça não saíam duas perguntas. A primeira era saber com quem realmente havia falado, e a segunda era sobre o caderninho que estava na igreja e teria que encontrar.

Mas que caderno é esse? E quanto mais matutava mais ficava impelido a resolver logo esse mistério. Também sabia que quando o encontrasse e mandasse alguém ler seus escritos em voz alta, ali mesmo na igreja, teria a chance de reparar o erro cometido por achar que era o dono da tempestade, podia dispor sobre ela e mandar que cessasse suas turbulências no instante que quisesse.

Agora sua luta era outra, mais compreensível e humana, mais aceitável e verdadeiramente necessária, pois faria com que o sol voltasse a brilhar. Isso provava como tudo muda de repente, como as coisas que são já passam a não ser num instante, pois o dono da tempestade agora queria o sol brilhando de volta a todo custo. E por isso mesmo tinha pressa, tinha de correr, avançar mais e mais.

O tronco ainda estava no mesmo lugar, nas margens tomadas do riachinho, porém teve que subir nele e seguir mais adiante, segundo as forças da correnteza, mas não demorou muito e já estava se jogando a mais de mil para o centro da cidade, para a praça da igreja. Ao chegar bateu mais forte ainda na porta, apressado, alvoroçado demais.

Filó apareceu para abrir e quase é arremessada ao chão pelo modo como ele entrou igreja adentro. Assustada, ela perguntou o que estava acontecendo e ele começou a gritar chamando todo mundo. Parecia realmente outro, apreensivo, nervoso, esquecendo até mesmo de perguntar pelo seminarista. Quando apareceram Minervina, Socorro e Custódia, amedrontadas e indagando o que motivava aqueles gritos, ele apenas perguntou se sabiam alguma coisa sobre um caderninho que estava ali na igreja.

As mulheres se entreolharam e, mesmo sabendo do que se tratava, acharam melhor pedir que se acalmasse que depois poderiam conversar sobre o que ele queria saber. Contudo, antes que começassem qualquer conversa com ele, eis que da porta da sacristia irrompe Antonieta, aflita, desesperada.

Já partiu de lá gritando, dizendo que tinha visto o tal caderninho, a agenda ou coisa parecida, e que até tinha lido alguma coisa que estava dentro dela, mas que não havia conseguido ler o resto porque assim que botou os olhos no escrito sentiu uma coisa diferente pelo corpo, sentiu-se tomada por uma força muito poderosa e estranha e desmaiou em seguida.

Ao ouvir tal relato, os olhos de Teté começaram a brilhar alegremente, foi se acalmando, tomando outro prumo e deixando de lado aquela apreensão agonizante. Chamou Antonieta mais pra perto e perguntou:

“Como você encontrou o tal caderninho, onde ele está agora, o que você leu, o que estava escrito que você começou a ler e desmaiou?”. Mesmo diante de tantas indagações, Antonieta se pôs a respondê-las pelo que conseguia lembrar, pelo que lhe vinha à mente naquele momento. Mas respondeu com sinceridade:

“Nunca imaginei que algum dia eu tivesse que prestar esclarecimentos a você Teté, mas deixe pra lá. O que é a vida, hein? Pois bem, então vamos lá, vamos ver do que me lembro. O caderninho foi achado debaixo da cama da sacristia e peguei ele já de Minervina, num momento de distração dela, mas foi só por curiosidade. Mas como fui expulsa em seguida de lá da sacristia, acabei saindo nas carreiras com ele na mão, sem que ninguém percebesse. Como o caderninho estava na blusa de Antonieta, por entre os peitos, quando peguei e saí talvez ela nem tenha percebido no momento, somente depois é que certamente deu por falta do objeto, que já estava comigo aqui fora, bem ali perto do altar, na claridade da vela. Com aquilo em mãos me despertou uma curiosidade medonha e então resolvi abrir para ler o que estava escrito. Lembro bem que fui passando página por página e na primeira encontrei uma folha seca e na segunda uma pequena cruz desenhada, mas quando fui passando as páginas alguma coisa caiu no chão e quando apanhei vi que era um recorte de jornal bem antigo. Contudo, a coisa começou a ficar estranha e misteriosa nesse ponto, porque o jornal era antigo e a notícia também, porém a data era a de hoje...”.

Nesse passo todos já estavam nervosos, boquiabertos, querendo saber o que dizia a notícia. E Antonieta continuou, agora pensativa, como se estivesse tentando lembrar alguma coisa: “O título da notícia era, era, era...”. E eis que de repente o seminarista Tristão aparece na porta da sacristia e vem ao encontro de todos, dizendo:

“O título da notícia era “A Vingança da Tempestade”, não era mesmo Antonieta?”. E esta confirmou assustada. Os demais presentes estavam completamente pasmos, surpreendidos com aquela aparição repentina, sem saber o que fazer nem dizer, apenas observando o que diria agora o seminarista, já demonstrando sinais de plena recuperação. E este procurou se aproximar ainda mais e prosseguiu:

“Será que a notícia era esta Antonieta?”. E sem ter qualquer escrito nas mãos disse letra por letra:

“Tudo parecia mais um dia normal, com sol e muito calor até por volta da uma hora da tarde. Daí em diante o mundo começou a se transformar e a vida dos moradores num verdadeiro dilema, em dores e muitas aflições. E tudo porque, do nada, em pleno céu azul e nuvens brancas, de repente se formou uma tempestade veloz, infernal e furiosa, acompanhada de ventos que derrubavam tudo que encontrava pela frente, trazendo ainda consigo raios e tempestades e outras forças misteriosas da natureza. Faltou água, energia e telefone, os serviços essenciais da cidade fora todos paralisados e nem os hospitais e postos de saúde puderam mais funcionar. Em menos de uma hora tudo ficou escurecido, ficou a noite mais escura e tenebrosa, as ruas ficaram completamente alagadas, praças foram destruídas, árvores foram dobradas pela força do vento e troncos logo foram levados nas águas furiosas. Rios, riachos e barragens transbordaram e até mesmo casas de alicerces reforçados foram destruídas. As casas mais pobres ficaram praticamente arrasadas, com muitas delas vindo abaixo ou ficando completamente destelhadas. Foi grande o número de desabrigados, desalojados e desaparecidos, havendo relatos de mortes. Contudo, o mais impressionante é que tudo isso não foi causado por nenhuma mudança climática nem por força de intervenção divina, mas pelo próprio homem. Não propriamente por homens, mas por...”.

“Por quem?”, gritou Teté.

continua...

Poeta e cronista

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