A CASA E A VIDA DO MONSTRO – Final

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – Final

Rangel Alves da Costa*

Em dez minutos a casa estava totalmente cercada por policiais. Dois minutos após e o delegado entrou pela porta dos fundos, que bastou ser empurrada.

Não havia nenhum barulho de vozes, de pessoas cochichando ou murmurando, nenhum som de nada, apenas o silêncio pairando sobre a casa escurecida. A luz existente na sala entrava pela janela aberta próxima ao oratório e à cadeira de balanço.

Assim que o delegado, pé-ante-pé, foi entrando na sala, enxergou logo algo que lhe deixou intrigado, pois uma pessoa toda vestida de preto, com uma bíblia no colo e rosário na mão, se balançava levemente na cadeira com o rosto virado para fora, para a malhada, para os matos e descampados. Mirava o mundo lá fora como se nada estivesse ocorrendo.

Aproximou-se um pouco mais e tomou um susto ao ter a certeza de que quem estava ali não era Dona Mundinha, mas sim Mehiel, que parecia ter incorporado a mãe com aquelas vestimentas, hábitos e posturas diante do oratório, dos santos e da vela acesa. Uma única vela acesa. Era a própria figura da mãe, porém numa perspectiva muito mais triste, mais acabada, mais fantasmagórica.

"Onde estão os outros? Não adianta fazer nada que é a polícia e estão todos cercados. Onde estão os outros. – E se aproximando um pouco mais – É você que está aí Mehiel, é você mesmo Mehiel. Onde estão o Padre Antonio e sua mãe, onde estão os outros? Por que você está assim Mehiel, vestido assim e se comportando como se fosse sua mãe Mehiel? Por que? Pode falar que prometo que não acontecerá nada a você não...". Falava baixinho o delegado, enquanto cuidadosamente ia se aproximando cada vez mais da cadeira.

O silêncio permanecia profundo naquela figura triste, toda de negro e parecendo morta. Mas quando o delegado, que ia se aproximando devagarzinho e já estava a uns cinco passos da cadeira, ia abrir novamente a boca para falar, o silêncio foi quebrado repentinamente do outro lado e este quase solta um grito.

Mehiel se virou na cadeira e disse: "Se eles queriam um monstro, o monstro nasceu agora. Se meus próprios pais queriam um monstro como filho, o monstro acabou de nascer. Mas eles nunca mais vão querer que o filho seja monstro, nem chamar de monstro e nem inventar que ele fazia coisas de monstro. Se agora eu fiz uma monstruosidade foi porque, foi porque...". E pendeu a cabeça para um lado, deixando cair da boca um líquido espumoso que o delegado soube depois ser veneno.

Mehiel, todo vestido nas roupas de sua mãe, todo do negro mais terrível que podia existir, agora estava morto. Havia se envenenado. O delegado confirmou a morte, balançando muitas vezes a cabeça e o corpo dele, mas a única coisa que pendeu de suas mãos foi um bilhete, que caiu ao chão e o policial não percebeu no momento.

Enquanto ia saindo da sala para tomar outras providências, o delegado tropeçou e quase cai por cima de dois sacos grandes deixados perto da porta. Mandou que abrissem a porta da frente para a luz entrar e viu aos seus pés o chão molhado de sangue vindo daquilo que estava nos sacos. Determinou que os policiais despejassem os objetos que estavam dentro no chão e viu duas cabeças ensanguentadas rolarem. Eram as cabeças decepadas de Dona Mundinha e do Padre Antonio.

Mas que monstruosidade, pensou o delegado.

Mas era isso que Mehiel estava dizendo, era sobre isso que ele estava falando, era sobre monstruosidade a sua última palavra.

Ele não era nem nunca havia sido monstro, mas os seus próprios pais quiseram criar um monstro e ali estava o fruto da forjada criação: o monstro e a monstruosidade contra os próprios pais.

O delegado apanhou o bilhete que havia rolado da mão do monstro, do suicida, ou coisa parecida, e lá estava escrito:

"Naquele dia o Senhor ferirá, com sua espada pesada, grande e forte, Leviatã, o dragão fugaz, Leviatã, o dragão tortuoso; e matará o monstro que está no mar" (Is 27,1).

E o delegado ficou tristemente pensando: Naquele dia a espada feriu Dona Mundinha, o dragão fugaz; feriu o sacerdote adúltero, o dragão tortuoso. Mas Mehiel era realmente monstro?

FIM

Poeta e cronista

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