Estorvo
Pretende ir ao dentista hoje, e por isso acorda cedo. Veste uma camisa de botão e uma calça jeans, sai ás 9 e quer voltar ás 13. Chega ao dentista, não era para ser hoje, a consulta é amanhã. Não fica com raiva, estará lá amanhã de novo. Sente nojo do dentista, “por que dentistas sempre sorriem?”. Sempre duvidava do dentista quando dizia que havia lavado as mãos. “Gente que sempre sorri pode ser tudo, menos confiável”. Anda pelas ruas movimentadas, não gosta de estar ali. Encontra refúgio numa rua estreita, está na favela. Vê umas crianças correndo, as bancas fechando, já são 11:30 e as pessoas precisam almoçar. Entra num self-service, um lugar quente e sem ventilador. Numa tv de 14 polegadas passa o jornal local. O jornal mostra a prisão de um dentista, e também mostra fotos da clínica do criminoso. A tv mostra um chão sujo, preto, e um bisturi numa pia onde escorre uma água marrom. Era o dentista da clínica de hoje de manhã. “Devia ter ficado lá” pensou “devia ter cuspido no rosto dele”. Sentiu raiva. “Mas espera, e minha consulta de amanhã?”. Sentiu mais raiva.