DRAGOLINA E DRAGOLÃO

DRAGOLINA E DRAGOLÃO

(Conto)

Dragolina e Dragolão eram duas rochas informes, irmãs, morenas, criadas bem perto do alto da Cruz da Faia, onde se avista de longe a cidade. Por perto cresciam pinheiros e carvalhos, algumas giestas e tojos serpenteavam a paisagem

Musgos e líquenes eram a indumentária secular que de vez quando rejuvenescia com a chuva e a neve ou então com o florir da Primavera.

Eram apenas pedras mas, embora imóveis, tinham sua vida própria e guardavam em si as memórias dos tempos que iam passando:

-Lembraste daquela peleja ali no topo, perto da calçada do Tintinho?, perguntava Dragolina , recordando antigas façanhas em tempos de lutas de ocupados e ocupantes.

-Eram pastores e romanos, não?, retorquia Dragolão, habitualmente sisudo ou não fosse ele mais corpulento, como quem quer completar a idéia com mais evidência.

Mas, em frente estava a cidade, iluminada com tochas e luminárias no castelo, lá no alto, onde umas sombras na noite percorriam amurada. Eram os soldados, com suas armaduras cintilantes à luz da Lua, vigilantes da cidade adormecida.

O descampado era alegre. A bicharada costumava namoriscar aquelas pedras, redondinhas, penteadas pelo vento fresco da serra e as perdizes, fugidias, passavam de perto com os perdigotos, enquanto que lá no céu, a águia real prescrutava os horizontes em busca do suculento almoço.

Em frente, a poucos metros, a velha calçada ganhava vida com o vai vem dos rebanhos de ovelhas e as carroças e cavalgaduras dos mercadores a caminho da cidade que era calma mas ganhava algum buliço em dias de feira.

Dragolina e Dragolão serviram tantas vezes de pouso e descanso para as pernas cansadas dos almocreves ou apoio aos pastores que, ali sentados, esculpiam os cajados com figura e rabiscos por vezes enigmáticos.

Desde a meninice que Dragolina e Dragolão se acompanhavam. De dia viviam as alegrias e tristezas que debaixo do sol ou da chuva ocorriam nas redondezas até onde o olhar pétreo alcançava e, de noite, adormeciam com o silêncio que só a montanha sabe dar, embalada pela música dos grilos no Verão ou dos chocalhos das ovelhas no seu deambular através da verdejante encosta.

Foi então que senhor da cidade pensou, reuniu as gentes e perguntou:

- E se construíssemos uma catedral e louvássemos mais alto a D-us?

Todos aplaudiram! Ouviram-se vivas, os trovadores vieram para a rua, houve folias e a azáfama começou. De um lado vieram altos troncos, as carroças, e os animais, os pedreiros, canteiros e carpinteiros juntaram as forças para erguer a Catedral.

Os campos encheram-se de gente em busca dos melhores materiais. Desceram os vales e subiram à montanha até chegarem aquele local de vida de Dragolina e Dragolão.

Assustadas, as pedras irmãs ainda se entreolhoaram num imóvel receio de que algum mal as fosse molestar. Foi então que um homem, robusto, de cabelos louros e olhos azuis, iguais os dos guardadores de ovelhas bordaleiras da Serra, se acercou e mirou aquelas pedras.

Olhou e mais olhou e, fitando-as com ar ternurento, pensou para consigo : “ Humm, que lindas! Ssão as melhores para embelezar com arte a colocar lá no alto, onde o sol chega primeiro e mais perto ficam as estrelas”.

De mansinho acariciou as rochas morenas que, envergonhadas, sorriram em silencio, quase que num desejo de serem arrancadas à terra mãe e irem conhecer, ir mais além, até cidade mas que a impossibilidade de se deslocarem por si sós era empecilho difícil de ultrapassar.

-Hei Martin, traz o carro, acho que achei! Estas são as mais belas e melhores para a nossa construção- gritou.

Veio então Tiago, o moçoilo, à frente do carro puxado por bois jarmelistas , chiando caminho acima, num cantar que só eles sabem fazer aprendido num antigamente distante e foi quedar-se junto daquelas pedras ávidas de curiosidade.

-Quem será? Iremos embora daqui? Seremos levadas? Para onde e porquê?- perguntaram-se

Como no parto da nascença dos humanos, foram arrancadas com carinho à terra mãe e, sempre juntas, colocadas no carro feito de carvalho e castanho, e... toca a empreender viagem.

As amarelas, elas também irmãs, eram vacas possantes, ostentando suas armaduras ameaçadoras em riste mas, afinal, mansas como as águas do regato a correr. Cautelosas no pisar, esforçadas no puxar, conduziram Dragolina e Dragolão através do serpentear da estrada romana, desceram o vale, passaram o ribeirinho, subiram a encosta e... entraram finalmente na cidade, aquela que viam de longe, enigmática mas afinal, tão familiar.

As casas que pareciam pequenas eram afinal maiores, os muros protectores que na distância se pareciam como linhas, eram fortes, largos e robustos, o céu da cidade era igual ao do Alto da Cruz da Faia e os horizontes mais vastos. Apenas os homens eram iguais, os que passavam no velho caminho que estava perto do berço onde nasceram, uns mais bem indumentados e outros mais simples como simples é a terra .

Mãos fortes, não se sabe quantas, apearam Dragolina e Dragolão que colocaram no terreiro . Vieram então os artistas, tiraram-se medidas, fizeram desenhos, volra para um lado, volta para outro, olharam as paredes semi erguidas.

-Podiamos fazer dragões”, dizem uns! Outros questionavam :“E se fossem aves” e ainda outros “ Ah! Como ficava bem lá a cara daquele o Gonçalo, namorado da Brites, que se esconde de todos para ninguém ver, mas que ali todos haviam de arregalar!

Vai que não vai, chegaram á conclusão: “Vamos fazer dois dragões!”

Os picos começaram então a bater, levemente, num truc-truc sobre as pedras morenas, Pouco a pouco, o sulcos deram lugar a formas. Vieram primeiro os rostos, depois as orelhas, o nariz,, o corpos esguios e por fim a boca.

-Pronto, já está! Como ficaram perfeita estas gárgulas”, exclamou o Valentim, mestre pedreiro .

No terreiro, três esguios troncos unidos nas pontas como de mãos dadas levantadas aos céus, suspendiam um cordame forte. Nele foram abraçados Dragolina e Dragolão que, lentamente e com cuidado foram subindo, subindo, subindo, até alcançarem um patamar de onde se avista toda a cidade.

-Como é grande! Que D-us a guarde!, exclamaram admiradas abrindo de canto a canto as bocas.

Cansadas da viagem e de uns tantos trabalhos, as pedras irmãs foram colocadas, quase a distância igual aquela onde, de nascimento, ficaram durante séculos imemoriais.

Olharam-se felizes. Tinham cumprido o sonho: ver a cidade!

Foram destinadas a embelezar e carpir com a chuva quando cai sobre o templo, conduzindo-a para a liberdade no espaço e vir cair inerte sobre a rua, para prosseguir a caminhada da corrente na rua.

Como que em promessa, Dragolina e Dragolão ali ficaram para sempre sorrindo a quem passa, no alto da Catedral.

E todos os dias, quando o sol raia dos lados de Espanha, as duas pedras olham a gente que passa que com amizade lhes dá os bons-dias.

Em dias de gelo, quando por baixo os namorados se beijam, lançam sobre eles píncaros cristalinos em festa e com eles choram ao sol segredos de amor!

JOSÉ DOMINGOS

Jose Domingos
Enviado por Jose Domingos em 17/06/2010
Código do texto: T2325879
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