A CARTA
Penso num pombo que voa alto. Voa alto. De um lado a outro, todo o norte: vilarejos, casas de telhado vermelho, rostos corados, carroças velhas, bois, gritos, meninos correndo atrás de alguns bezerros... Todo o sul: rios, mares, torres, ruas amarelas, pontes, casas de barro, o povo pobre e miserável da margem direita do rio, as planícies...
E voava mais alto...
Encontrava o mundo, todos os povos, inúmeras e inúmeras chaminés, muitas delas abandonadas... O verde das árvores, os bichos da terra; o azul marítimo e os bichos da água.
Voava baixo...
Queria entregar uma carta, uma simples carta, uma honra para um pombo ser confiada tamanha missão, mas não achava o endereço...
Cansado estava, entretanto, não podia parar... Em determinado momento as asas pareciam não obedecer a seu comando.
Voava mais baixo...
Voava mais baixo.
Baixo.
Acabou por deixar a uma pessoa de mesmo nome: uma mulher solitária, sozinha de tudo, inquieta... A mensagem, como um furacão, trouxe novamente o riso para aquela casa. Um rosto, antes tristonho e desfigurado, agora limpo, reconstituído, iluminado.
O pombo alçava voo um tanto quanto sem jeito, trocara o número, o destinatário. E o que é o acaso... A carta não possuía remetente, decerto uma carta de amor...
E assim refez-se uma vida, desenhou-se um sorriso...
...
Voava longe o pombo, deixando o mar, uma linha de trem, uma estrada de terra batida e cheia de sol...
Voava longe o pombo, deixando um calendário de longa espera jogado ao chão...