O MAR

E a música tocava alto. Os acordes impulsionavam os corpos em movimento, a lua descansava no céu. Noite. Rumor de amor. Noite. A festa corria animada e os presentes se alegravam com facilidade. Futilidades. Cerveja, vinho, olhares, avesso da vida.

Do lado de fora, esperava ansioso, Fernando. O que estaria fazendo? Por que o Pascoal demorava tanto?

Ansiedade.

Espera.

Relógio.

Fernando não disfarçava a inquietação. Pascoal não saía! Duas horas e meia! Não devia tê-lo esperado quando fica de conversa com a Renata!

Ansiedade dobrada.

Fim da espera.

Relógio quebrado.

Fernando saiu pela rua deserta, com os pensamentos sonolentos... Pascoal há de se ver! Seus passos eram rápidos, parecia querer escapar da festa e de algumas pessoas.

As estrelas rabiscavam o céu... O mar parecia convidá-lo a um mergulho... As ondas, as ondas, o tédio, o desamor, a raiva, a sensação de liberdade, as ondas, o mistério, o líquido do amor quebrado. Atirou-se ao mar e nadou, nadou, nadou o mais que pôde...

Estava longe da praia.

Relógio na água.

Os problemas que o afligiam estavam longe, era livre. Adeus, Pascoal amigo! Adeus. O mar é a casa, a cama, o tapete os dedos de Tiana. Nome suave e manso, doce como as ondas que o embalavam... Decerto estaria feliz nos braços de outro...

As luzes da casa se apagaram uma a uma... Pascoal desceu as escadas, despediu-se dos amigos e saiu. Surpresa foi não encontrar Fernando próximo ao portão de madeira. Olhou o relógio: duas e cinqüenta! Fernando bebera razoavelmente... Como foi sair daquele jeito?

As ondas, doces ondas misturadas ao nome de Tiana, ao corpo de Tiana... Onde está você Tiana? Escuta o que eu tenho pra te dizer. Escuta...

Pascoal corria pela larga rua da praia, olhava para a areia desanimado.

Ondas, doce barulho das ondas... Amarelo, madeira, rede, barco... Um barco! Tiana! Ondas, madeira, rede, vermelho...

Gosto amargo do mar... Espumas... Vermelho.

Espuma vermelha.

Os gritos de alguns rapazes atraíram o olhar frouxo de Pascoal, que de longe via um barco, um pequeno barco de pesca.

O barco foi se aproximando, sentiu a brisa da madrugada, o barulho das ondas... Fernando gosta do mar. Ele? Ele nunca se atrevera a molhar qualquer parte do corpo. O mar é dos peixes. Os homens foram feitos para a terra. Divagava Pascoal.

Chegara.

Vencida a força das ondas... Um dos rapazes que havia gritado, o mais magro, entrou na água gelada e chegou junto à embarcação. Dela jogaram alguma coisa grande, algo que Pascoal não conseguia identificar. Que peixe será esse? É... Os homens adoram contrariar seu destino, agora o peixe está vindo para terra e morrerá, pois na terra dos homens quem pode sobreviver? Pascoal refletia enquanto o rapaz magro trazia o suposto peixe.

Horror, espanto, choro... O rosto de Pascoal era outro, uma rede de rugas tomava forma em seu semblante à medida que o jovem puxava o corpo para a areia... Fernando sem vida era jogado ao chão. Fernando? Companheiro, amigo da noite... Acorda louco varrido! Um grito ecoou pela praia. Pascoal foi de encontro aos rapazes que olhavam o corpo.

Encontraram-no agarrado às pedras, ainda estava vivo...Perdera a perna quando o barco passou... Louco! Estúpido! Idiota! Quem entraria no mar agitado há essa hora? Ainda mais depois de beber?

Pascoal olhou para Fernando, chorou como criança, olhou novamente o mar. Peixe fica no mar Fernando.

Peixe fica no mar.

CAMPISTA CABRAL
Enviado por CAMPISTA CABRAL em 11/10/2009
Reeditado em 12/10/2009
Código do texto: T1859720
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