Tribunal da Santa Inquisição

Foi dormir aquela noite preocupada com as reclamações de sua vizinha.

Sabia desde sempre que a dita cuja não gostava nem um pouco de sua pessoa, tudo que fazia incomodava a megera do apartamento do andar de baixo.

Naquela manhã acordou cedo.

Tomava seu café tranquilamente quando foi interrompida por alguém que insistentemente batia em sua porta.

Ao olhar pelo olho mágico, teve a ingrata surpresa, com uma cara nada amigável.

Muito a contra gosto atendeu a reclamante, que saiu prometendo ir queixar-se com o síndico.

Não tardou para seu Oswaldo chegar, veio com aquele ar de juiz, algoz e severo, mais uma seqüência de intermináveis acusações, que no fundo eram infundadas, não fazia todo o barulho de que era acusada, muitas vezes as pessoas são injustas.

Ao longo do dia tentou esquecer o episódio, mas vez por outra lha vinha à mente a cena surreal.

Á noite quando chegou em casa, tomou um longo banho, bem verdade que nem tão longo assim, afinal a taxa de energia elétrica estava pesando no fim do mês.

Deitou-se, aconchegou-se, mas o sono não vinha, foi aí que se lembrou da garrafa de vinho, foi até a cozinha e devido a sua falta de habilidade demorou algum tempo para sacar a rolha, cinco taças depois ao recordar o episódio ria sem parar, estava leve e finalmente conseguiu dormir.

Embarcou no sono dos justos, logo se via em um tempo distante, as coisas estavam diferentes, vivia em uma propriedade no campo, suas roupas eram diferentes, estava cuidando de uma pequena horta onde plantava algumas ervas medicinais, de efeito curativo.

Enquanto estava absorta em seu trabalho diário, ouviu uma trombeta e em seguida as seguintes palavras:

- Povo da aldeia de Charteleim, por ordem de Vossa alteza e da Santa Igreja Católica, todos os aldeãos estão convocados a comparecer no dia 12 de junho deste ano de 1348 de nosso Senhor na praça da aldeia para serem informados sobre a vinda do Tribunal da Santa Inquisição.

Ao ouvir ela, pensou consigo mesma:

_ Homens da igreja e ratos não diferem em nada!

No dia marcado foi cumprir sua obrigação, mesmo porque se não fosse, sabe lá as penas que lhe seriam imputadas.

A aldeia estava cheia, e o espetáculo não tardou em começar, toda aquela encenação, o teatro do medo, para no fim os homens que se diziam enviados de Deus, venderem a salvação eterna, indulgências, aquele circo dos horrores.

Ela somente pensava, e lamentava a ignorância do povo, mas seus pensamentos foram interrompidos:

_ Povo de Charteleim, com a palavra o Inquisidor do Santo Tribunal da Inquisição, Torquemada!

Mas era seu Oswaldo, Oswaldo de Torquemada, o mais terrível inquisidor que se teve notícia!

Ao proferir as primeiras palavras todos sentiram um arrepio na espinha:

_ Minha presença aqui neste vilarejo dá-se em virtude de uma grave acusação de bruxaria!

Neste instante o povo assustado tremia, todos se olhavam em busca do possível ser enviado pelo demônio.

O Inquisidor prosseguiu:

- Recebi a denúncia de aqui existe uma bruxa, que cultiva ervas , recebe pessoas com alguns males e faz em sua casa chás curativos, e que tais pessoas que a procuram ao saírem de sua casa sentem-se melhores, isto só pode ser obra do demônio, um sopro no ouvido dele Satanás!

Que suba aqui Camile Poussom!

Ao ouvir seu nome, sentiu um misto de espanto e descrença, afinal não era ignorante como os demais e sabia exatamente como o Tribunal da Santa inquisição agia quando recebia uma denúncia por bruxaria.

Subiu e o que se seguiu foi um longo interrogatório, exposição pública e aplausos do público mais entusiasmado, inclusive de sua vizinha, uma aldeã birrenta.

Em determinado momento o inquisidor Oswaldo de Torquemada, chama para depor a vizinha denunciante.

A criatura sobe ao palco e logo passa a responder as perguntas do representante da igreja.

_ É real a sua acusação de que sua vizinha Camile Poussom realiza práticas demoníacas, que recebe em sua propriedade até altas horas da noite pessoas e que perturba a paz e o sossego.

- Sim nobre Inquisidor, é a mais pura verdade, inclusive ontem ainda pude ver que esta amiga do Demônio ria sem parar enquanto colhia ervas, para que todos vissem!

Após algum tempo é proclamada a sentença:

_ Eu Oswaldo de Torquemada na qualidade de representante de Deus e da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, declaro que a acusada Camile Poussom foi declarada culpada por exercer práticas heréticas, rir em público, realizar curas inspirada pelo enviado das trevas, que seja levada a fogueira!

Naquele momento quando todos berravam culpada, culpada, ela acordou embebida em suor, horrorizada com o pesadelo medonho.

Na manhã seguinte, preparou dois bolos, entrou no elevador parou no andar debaixo, tocou a campanhia, a vizinha atendeu meio ressabiada, mas quando foi presenteada com o bolo e com mil pedidos de desculpas e promessas de silêncio, abriu a guarda.

Cumprida a missão número um seguiu para a segunda, iria até o apartamento de seu Oswaldo de Torquemada, ou melhor, seu Oswaldo, ao chegar repetiu o ritual das desculpas, dos votos de silêncio o bolo, quando estava dirigindo-se para o elevador, seu Oswaldo lhe fez um convite:

_Camile, hoje á noite teremos uma celebração especial, a inauguração do palco para apresentações em nossa igreja, ficaria muito feliz se você fosse, afinal nós católicos temos que nos unir não é?

Mais do que depressa ela responde:

_ Mas é claro, claro estarei lá!

Informação histórica: Durante a Idade Média, a Igreja Católica Apostólica Romana, através dos tribunais da Santa Inquisição exerceu o terror entre as inúmeras aldeias camponesas.

Muitas mulheres suspeitas de heresia foram perseguidas pela igreja como bruxas ou feiticeiras.

Pessoas acusadas de heresia ou bruxaria eram julgadas pelo referido tribunal, instituído com a finalidade de investigar e punir crimes contra a fé católica. Durante mais de 300 anos, milhares se mulheres que, segundo a crença da Igreja, desde Eva eram uma ameaça constante foram queimadas vivas em cerimônias públicas, o clima de desconfiança em relação às mulheres teve também predileções orquestradas para expurgar males como a Peste Negra.

Certos ofícios tipicamente femininos tinham na lista de denúncias. Curandeiras, vitais para uma sociedade onde a medicina ainda era uma ciência incipiente, tornavam-se hereges e apóstatas da noite para o dia. Cozinheiras também viviam sob constante desconfiança, assim como as parteiras.

Dentre muitas das proibições impostas pela Santa Igreja, o Riso em público era severamente punido, para que o povo pudesse exercitá-lo, foram criadas as festas profanas.

Julia Lopes Ramos
Enviado por Julia Lopes Ramos em 26/09/2009
Reeditado em 16/08/2010
Código do texto: T1833565
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