ERA UMA VEZ UM PEQUENO FAZENDEIRO

ERA UMA VEZ UM PEQUENO FAZENDEIRO

Era meu aniversário de quatro anos e minha madrinha queria me dar um presente. Mas ela era muito pobre, ainda mais pobre que nós, que morávamos numa casinha muito humilde, de favores numa fazenda da qual um de meus tios, casado com uma irmã de meu pai, era capataz.

Nossa casa fora construída por meu pai, toda de costaneira das toras que ele mesmo serrava dos pinheiros que derrubava nos campos da fazenda e que depois eram transformadas em tábuas, numa das muitas serrarias da região. Sua cobertura era toda de tabuinhas, pregadas umas sobre parte das outras, de forma a imitar um telhado. Na única porta rústica não havia fechadura, apenas tramelas, uma do lado de dentro e outra do lado de fora. As janelas eram quatro, uma de cada lado, feitas de tábuas, como a porta e o assoalho.

Era simples e pobre nossa casa, mas cercada de uma paisagem linda, inesquecível... Aos fundos, a duzentos metros, um bosque, para mim mágico e encantado; à frente da porta, a pouca distância, um riacho de águas claras e cristalinas, fazia o limite entre nosso espaço e um campo enorme de pastos verdejantes, com muitos pinheiros e onde as vacas e os cavalos pastavam mansamente e às vezes descansavam à sombra das árvores.

No dia do aniversário, sobre o qual eu nada sabia, sobre o qual ninguém falara nada, acho que de propósito, porque não havia o que falar, a gente ficava um ano mais velho e pronto, sem bolo, sem parabéns, sem abraços, sem nada, minha madrinha chegou cedo. Ela, pelo menos, não esquecera. Chegou feliz, sorridente, me abraçou, me beijou, disse que tinha um presente para mim e entregou-me um embrulho de pano. “Abra com muito cuidado” disse-me e eu pedi ajuda a minha mãe.

Era um ovo de galinha, cuidadosamente enrolado nos panos.

Minha madrinha dera-me de presente, no dia em que completei quatro anos, um ovo de galinha.

- É de galinha ligorne, tua mãe vai pôr no choco e tu vais ser dono de uma galinha, ela acrescentou sorridente.

Fiquei um tanto desapontado, mas era de galinha ligorne.

Mas o que seria ligorne?

Meu único presente nesse dia que para mim não significava nada, poderia ser de fato o caminho para tornar-me proprietário de uma galinha. Para a concretização desse objetivo, no entanto, precisaria livrá-lo, em primeiro lugar, da frigideira e depois torcer para que o choco desse certo.

Tudo correu como previra minha madrinha. Vinte e dois dias depois, aquele ovo, que minha mãe marcara com um carvão, para diferenciar dos demais, abriu-se e dele saiu, como uma mágica, meu primeiro passo para tornar-me um pequeno fazendeiro. Era um pintinho lindo, todo amarelinho, como a gema do ovo de onde ele saíra e eu fiquei feliz como nunca imaginara ficar um dia. Até chorei de tão feliz e amei minha madrinha. Acho até que amei o mundo inteiro.

À medida que Amarelinho crescia, o amarelo das penugens cedia lugar ao branco da penas que nasciam e então minha mãe disse-me que era uma franguinha. Batizei-a de Joaninha.

Joaninha cresceu cercada de meus cuidados, virou uma linda galinha branca e um dia, aos gritos para que todo mundo ouvisse, pôs seu primeiro ovo, tão bonito quanto aquele que lhe dera origem. Quando já havia acumulado onze ovos, resolveu que chegara o tempo de ser mãe. Ficou choca e alguns dias depois, eu era o orgulhoso proprietário de uma galinha e onze pintinhos. Como me lembro! E como era feliz!

Dias depois, minha tia apareceu lá em casa, gostou de Joaninha com seus filhotes e ofereceu-se para comprá-la. Ao cabo de várias propostas, todas veementemente rejeitadas por mim, propôs troca por uma leitoa prenhe.

Minha mãe achou que o negócio era bom e mesmo contra minha vontade a transação foi efetivada. No mesmo dia, Joaninha e os pintinhos mudaram de casa e eu chorei. Chorei tanto, como se houvera perdido o bem mais precioso de minha vida.

Mas Chiquinha também era bonita e ia ganhar muitos porquinhos. Embora a saudade de minha Joaninha ainda doesse em meu peito, comecei a me perder de amores por Chiquinha. Seus filhotes vieram ao mundo, durante uma madrugada. Meu pai levantou-se para ajudar e eu estava junto. Eram nove e tão bonitos quanto a própria mãe.

Chiquinha e os nove porquinhos povoaram meus sonhos durante dois meses e então não foi mais possível conservá-los em nosso poder. Faltavam-lhes espaços e comida.

Outra vez chorei a perda do que julgara ser para sempre.

- A terneira é bonita e vale mais, logo, logo será uma vaca e tu poderás tirar leite dela, argumentou meu pai.

Nada do que ele dizia me consolava, queria meus animaizinhos de volta, mas já era tarde. Meu pai havia trocado, com meu tio, meus porquinho pela bezerra.

Foi muito triste.

Em pouco tempo, estava restabelecido, completamente apaixonado por Estrela, que virou membro da família e passou a fazer parte de meus sonhos.

Estrela foi crescendo paparicada e logo já era uma vaca. Um dia, para minha surpresa, apareceu com uma filhota. Dera à luz, durante a noite, uma bezerrinha linda, que eu chamei de Joaninha.

Estrela era uma vaca leiteira, bela e mansa. Joaninha cresceu e ganhou, acho que uns dois anos depois, uma irmãzinha, a quem dei o nome de Chiquinha.

Feliz e orgulhoso, sentindo-me um grande proprietário, um dia chamei meu pai e perguntei-lhe:

- Pai, já sou um fazendeiro?

- É, por enquanto, ele respondeu.

- O que quer dizer por enquanto, pai?

- O dono da fazenda disse que não podemos conservar esses animais, a terra não é nossa. Ele já faz muito deixar-nos morar aqui de graça.

- E agora, pai, o que vamos fazer?

- Não temos o que fazer, a não ser vender tuas vacas para o próprio fazendeiro.

- Mas, pai....Vou ficar pobre outra vez?

Eu chorei e o sonho acabou.

MCSobrinho
Enviado por MCSobrinho em 18/06/2009
Reeditado em 27/04/2015
Código do texto: T1655354
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