SINAL DOS TEMPOS
SINAL DOS TEMPOS
As duas elegantes estavam sozinhas no ponto. Quando cheguei, elas se afastaram três passos.
Bateu o sinal das dezoito horas e dois minutos mais tarde, cem barulhentos estudantes invadiram o local. Elas se afastaram dez passos. Àquela distância estariam a salvo.
Uma, bela gata de engarrafar o trânsito, vinte e cinco anos, se tanto. A outra, já um tanto quanto murcha, teimava em parecer mais nova, tal era sua indumentária.
Exibiam ares de superioridade, de donas do mundo e cara de quem vai entrar em um ônibus pela primeira vez.
Fiquei no bolo e, como todos, disputando a cotoveladas o lugar onde julgava que a porta parasse. O objetivo era entrar, a qualquer custo, na primeira arremetida.
A pressão aumentou e eu abandonei a “pole position”, já meio grogue pelos safanões. Então aproveitei para observar com mais cuidado as “madames”, que sabiamente esperavam os mais afoitos subirem.
Passado o primeiro momento de atropelo, as duas decidiram que era tempo e a mais nova tossiu, uma tossezinha seca, de mentira. Anunciava que estavam ali e que deveriam ter passagem livre.
Ninguém se manifestou.
Tossiu mais forte e a indiferença foi total. Ousou mais: deu três passos à frente e parou ao lado da porta, encarando firme e petulante os que entravam. Um empurrão atirou-a de volta. Fez mais duas tentativas e fracassou, sendo empurrada, espremida, humilhada...
Seu posto ruía.
Perdeu a compostura, virou-se para a companheira e desabafou:
- Helena, isto é o fim do mundo! Ninguém mais respeita a gente! São todos uns selvagens! Vamos...!
Encheram-se de coragem, empinaram os peitos e, feito vacas bravas, investiram contra a turba, desferindo empurrões e cabeçadas, na tentativa de atravessá-la.
Não conseguiram e só chegaram à porta na retaguarda.
Entraram a custo, na porrada, ônibus em movimento, porta se fechando e, entaladas entre esta e os estudantes, viram-se reduzidas à impotência de bodes expiatórios.
No ponto seguinte, quando a porta se abriu para entrar mais gente, elas, cansadas da luta insana, foram despejadas. Restara-lhes um táxi que passa, para o qual gesticularam freneticamente
MC Sobrinho
Floripa/82