Escolhas

Das janelas fechadas dos apartamentos alguns raios de luz tentavam, em vão, tomar seu lugar em meio à escuridão gelada daquela noite. A lua tentava aparecer por trás das nuvens mas era insistentemente vencida por elas. O vento, como uma criança empolgada com um novo brinquedo, brinacava com os seus longos cabelos castanhos.

-Uns 30, talvez 35 metros... - Pensou

Do alto do luxuoso prédio no centro da cidade a bela jovem olhava a rua lá em baixo. Nem mesmo ela resistiria a queda...

Podia escutar, alguns andares abaixo, os sons de uma grande festa. A festa.

-Malditos milionários!

Gostaria de não estar ali agora. Gostaria de estar em algum outro lugar. Mas onde...? Onde mais ela poderia estar senão ali?

Onde...?

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Acabara de anoitecer. Grupos de adolescentes saiam de suas casas em busca de diversão enquanto pais entravam em suas casas em busca de descanso. O dia tinha sido estranhamente quente apesar do vento que não parara de soprar.

-Na televisão disseram que amanhã esfria de novo.

-Já estava na hora, né?! Pensei que não iamos mais ter inverno!

As ruas estavam abarrotadas de pessoas procurando grandes emoções e também de pessoas procurando grandes problemas. As luzes das casas noturnas começavam a se acender, os bares já estavam lotados e a policia já tinha, subjetivamente, deixado o território livre.

Em meio a esse tumulto de sons, vozes e pessoas uma garota tentava abrir caminho até seu destino. Apesar de jovem e bonita, não chamava muita atenção. Não vestia os trajes mínimos que eram de costume às garotas que frequntavam esses grupos, não tinha piercings e tatuagens como todos os outros e, definitivamente, não queria se parecer com eles. Não era uma das pessoas que procuravam diversão...

Lekoy! A boate mais badalada daqueles tempos! Esse era seu destino.

Shandrina, a dona da Lekoy, estava em uma pequena reunião com alguns líderes locais. Precisava garantir que nenhum engraçadinho fosse fazer algo estúpido no seu estabalecimento e, em função disso, mantinha alguns "acordos comerciais" com os outros "empresários" da região. Nada havia dado errado; em quase dois anos, nenhum incidente sério em seu território. Nada mais que briguinhas entre adolescentes bêbados com que se preocupar. Até aquela noite.

A jovem de olhos negros passou facilmente pelos guardas na entrada. Afinal, não precisava de armas.

O hall era bonito. Um tapete vermelho, algumas estátuas, tudo de muito bom gosto. Bom gosto, esse, que deixava a imagem que se seguia ainda mais assustadora. Uma grande massa de jovens pulando e dançando freneticamente ao ritmo de um ruído ensurdecedor. Muitos desses jovens estavam drogados, a maioria já havia cometido crimes graves e todos estavam bêbados. Olhar aquilo a deixava com raiva.

-E estar aqui é escolha deles... - Pensava melancolicamente enquanto se dirigia à administração. - Não consigo entender...

Subiu as escadas devagar. Tentara não pensar em nada, tentara manter em sua cabeça somente o seu objetivo da maneira como queriam que ela fizesse. Mas de repente tudo voltava à sua memória. Não tinham o direito de lhe fazer o que fizeram! Sentia a tristeza contaminando sua razão como como uma dose de veneno eu uma taça de vinho. Parou.

Olhando para os jovens lá em baixo desejou ser um deles. Não que a idéia de estar em meio àquela multidão enlouquecida tivesse lhe passado a ser agradável, mas pelo menos eles eram livres. Poderiam sair dali se quisessem enquanto ela, como poderia deixar de ser o que era?

-Malditos!

Precisava terminar seu trabalho. Precisava se vingar. Precisava impedir que fizessem novamente.

O escritório de Shandrina era sem sombra de dúvida o lugar mais agradável daquele prédio. Com o mesmo bom gosto do hall, isolado do som nojento que vinha da pista, bem iluminado e inquestionavelmente limpo. Shandrina era uma mulher vaidosa, não admitiria trabalhar em um lugar que não tivesse a sua cara. Não se importava nem um pouco com o que acontecia com as pessoas lá em baixo, não era probema dela. Se importava com a fama, o respeito e o dinheiro. E tudo isso ela conseguiu sendo a poderosa dona da Lekoy.

Foi por causa da fama e do respeito que não hesitou em ter seu nome publicado como uma das colaboradoras de um grande projeto de pesquisa. Também porque o homem mais rico e mais sujo da cidade estava encabeçando esse projeto e ter a atenção dele seria bom para os negócios. Uma pena que o protótipo não tenha saido como planejaram...

Quando a porta se abriu com um estrondo sete armas de fogo cantaram em coro sua canção, deixado marcas no vidro a prova de balas da janela que dava para a pista. Mas as balas não atingiram a jovem que invadira o escritorio por baixo de sua trajetória. Uma vez dentro não foi dificil render os sete homens que puxaram os gatilhos.

Enquanto os homens com quem negociava iam caindo inconscientes, Shandrina procurava algo com que se proteger.

-Catherine... - Balbuciou.

Uma arma!

Sabia que nada poderia protegê-la daquela jovem que agora olhava pra ela com um sorriso no rosto.

Um disparo!

Com uma agilidade inigualável a jovem se lança no ar deixando passar por debaixo de seus pés o projétil e caindo sobre Shandrina antes que essa pudesse calcular o ângulo para um novo disparo.

As duas mulheres no chão se olham nos olhos. Uma com medo, outra com profunda tristeza. Nenhuma delas gostaria de estar ali naquele momento...

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Catherine se sentou na beirada do prédio, ainda ouvindo a música lá embaixo. Gostava muito de sentir o vento nos cabelos. Sentiu com prazer a noite acariciando-lhe o rosto com seus dedos frios. Cada vez mais lamentava. Cada vez mais queria ter outra opção...