Kurumim e Lampião

Kurumim e Lampião.

Poucas coisas são mais piegas que avós elogiando os netos, além do que, é sobremaneira enfadonho.

Benicio Luis é o meu quinto neto numa escala de sete e o terceiro dos homens. É um garoto inteligente e na escola conserva uma média no boletim de 9,99 e hoje estuda na terceira série. Carinhosamente, eu o chamo de Kurumim.

É claro que ele já tinha ouvido falar em Lampião, de sua saga assassina que mesmo para uma criança de oito anos era algo absurdo. Mas eis que um fato novo aconteceu:

Este ano (2024), a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, “no uso de suas atribuições legais”, homenageou Virgulino Ferreira, vulgo Lampião, o rei do cangaço. Para tal, levou sua filha, Expedita Ferreira Nunes, 91 anos, residente em Aracaju, para desfilar no último carro alegórico.

Em 11/05/2023, a mesma senhora já havia recebido das mãos do Presidente da Câmara de Vereadores de Aracaju, Sr. Ricardo Vasconcelos (Rede Sustentabilidade), o honroso título de cidadã aracajuana, de autoria do mesmo supra-expendido.

Ora, diante de tamanha exposição política-midiática, qualquer elemento com crachá de imbecil, haveria de se surpreender com essa ignobilidade, se não morasse no Brasil…

No Brasil sonso, onde ser sabido é mais importante do que se sábio; onde o mais descarado ladrão, ou traficante pode ganhar o perdão da Suprema Corte sem qualquer delonga; onde qualquer um desses vermes pode acabar sendo presidente da República; ou transformando-se em herói, como para alguns Lampião representa; tudo pode ser possível.

Pois bem, depois de desfilar, para os olhos do mundo, na Avenida Marquês de Sapucaí, Cândido José de Araújo Viana deve ter engoiado e vomitado em sua tumba centenária. Ainda assim, a filha do Lampião ganhou, ainda mais, notoriedade.

De volta a Sergipe, não foram poucas as chamadas para entrevistas e uma dessas aconteceu na escola onde meu Kurumim estuda e ele estava lá.

Passando de sala em sala, onde era apresentada com o devido respeito e indevida pompa, respondendo os questionamentos dos alunos quase sempre apreensivos, ela ouviu do meu Kurumim uma pergunta que, certamente, já ouvira muitas vezes:

- A senhora considera seu pai um herói ou bandido?

- Leia a biografia dele e tire suas conclusões, respondeu dona Expedita.

Ao chegar em casa, Benício pediu aos pais que lhe mostrassem a biografia de Lampião. Depois que leu tudo, concluiu:

- Lampião era um bandido com B maiúsculo.

Segundo consta na Wikipédia, com base em informações da época, em 16 anos de cangaço (1922-1938), Lampião assassinou, ou torturou mais de mil pessoas, incendiou umas 500 propriedades, saqueou todos os lugares por onde passou, matou mais de 5 mil reses e violentou mais de 200 mulheres, incluindo uma noiva em plena festa de casamento, em Porto da Folha-SE.

Piauí e Maranhão, bem como as capitais nordestina não foram atacadas por ele. Implantou o terror no sertão, escolhendo sempre as pequenas cidades e povoados, onde quase sempre, como ainda hoje acontece, desprovidos de segurança pública.

Ciente da ficha criminal, Benício está armado até os dentes, aguardando o retorno da filha do Lampião.

Ela vai ver o que é ser neto de um Cabra da Peste.

São coisas da minha família.