O boi da cara preta
Maria ainda estava com a luz acesa quando sua mãe entrou repentinamente.
- ainda acordada, Maria?
- não, mãe. Eu durmo de olhos abertos!
- Deixe de ser respondona! Por acaso sabe que horas são?
- Já orei sim, o pai nosso.
Maria era assim, desbocada. Sua mãe não sabia de onde ela tirava aquilo, mas já se acostumara com as suas brincadeiras.
- Trate de dormir logo, menina. Não esqueça que amanhã viajaremos cedinho para casa da sua avó.
Era justamente isso que estava tirando o sono de Maria - a ansiedade pelo dia seguinte - iria para a casa de sua avó Juju que morava em um belo sítio no interior. Ela adorava o contato com a natureza e os animais do sítio, sem mencionar as comidinhas da vovó que não se via em nenhum outro lugar do mundo.
- Vá dormir agora, filha. Você lembra o que sua vó nos ensinou sobre meninas que não querem dormir, não lembra?
- Não. Não lembro. O que é?
- Você não se lembra do boi-da-cara-preta?
- Ah! Mãe!! Quantos anos a senhora acha que eu tenho? Sete?
- É.
- Não mãe, eu tenho oito. Já sei que isso não existe. Assim como papai noel, coelhinho da páscoa. São coisas que os adultos inventam para tentar controlar as crianças, mas você não vai conseguir não. Já sou grandinha e forte também. Se alguma coisa aparecer no meu quarto, dou-lhe um chute tão grande que ele vai parar na lua.
- Se você diz... então vou apagar a luz.
- Tá bom – resmungou Maria meio contrariada.
Enquanto a mãe saía do quarto cantarolava:
“Boi, boi, boi... Boi do Piauí, pega esta criança que não quer dormir...”
- Que música chata! – resmungou Maria.
A noite foi passando e Maria continuava acordada. Contou carneirinhos, mas foi mesmo que nada. Pensar que logo estaria pegando peixinhos no riacho perto do sítio da Avó era muito mais legal. Maria decidiu que ficaria a noite toda acordada, esperando a manhã chegar. Algo no canto da parede lhe chamou atenção... era um boi? Não! Era apenas a sombra de um cobertor jogado por cima da poltrona. Mas logo o vento fez um barulho muito forte... a janela se abriu violentamente, soprando o ar frio pelo quarto e fazendo Maria tremer debaixo das cobertas. Algo entrou voando pela janela... era um boi? Sim! Era um boi. Igual a aqueles que se vê na TV nas festas juninas, ele era preto, com estrelas desenhadas por toda parte, algumas fitas coloridas penduradas no lugar do rabo e não tinha pernas, era como um boi-fantasma, mas era mais do que real. Maria pensou em gritar, mas sabia exatamente o que aconteceria: sua mãe entraria, veria o boi e diria: “Eu avisei, não avisei?” Era a frase que Maria mais odiava ouvir. Então levantou uma brechinha no lençol e olhou para a direção onde tinha visto o boi pousar. Mas ele não estava lá e a janela estava fechada, exatamente como a sua havia deixado. “Foi uma ilusão”, pensou a menina, mas quando saiu de debaixo das cobertas, sentiu uma lambida no rosto, o boi ainda estava ali.
- Oi, menina! – disse o boi com sua voz grave, mas suave.
- Oi. Você é o boi da cara preta?
- Na verdade, sim. Mas como pode ver, não é só minha cara que é preta, sou todinho preto.
- Você vem do Piauí?
- Não... meus pais são de lá, mas eu sou da Bahia.
- Da bahia, disse a menina empolgada, eu queria conhecer a Bahia.
- É um lugar maravilhoso... como você se chama mesmo, menina?
- Maria. E você? Tem nome ou é só boi mesmo?
- Me chamo Bumba!
- Como na TV!- disse Marina.
- Sim. Eu sou famoso!
- O que você veio fazer aqui? Preciso dormir, amanhã levanto cedo para ir à casa da minha Vó.
- Não conhece o que diz a minha música? Vim fazer o que a letra diz.
- Veio me fazer careta? – perguntou a menina.
- Não bobinha... Vim levar você.
- Me levar? Mas pra onde?
Bumba voou para o outro lado da cama e disse:
- Por aí! Temos muitos lugares interessantes para explorar e muita gente bonita para conhecer.
Marina encolheu os ombros e repetiu:
- Não posso! Preciso ir dormir. Amanhã levanto cedo para ir à casa da minha Vó.
- Não vai demorar, disse Bumba, num segundo estaremos de volta e você poderá descansar. Sei que você não está com sono mesmo. É por isso que estou aqui.
- Bem, se não vai demorar, acho que podemos dar uma voltinha sim. – Marina entrou no guarda-roupa e quando saiu de lá, um segundo depois, ao invés do pijama de ursinhos, estava com um lindo vestido laranja.
- Estou pronta, vamos. – disse a menina, caminhando em direção a porta.
- Epa! Por aí não tem a menor graça. Suba nas minhas costas. É bem mais divertido, prometo.
Maria subiu na cama e em seguida nas costas de Bumba. A janela se abriu e desta vez o vento que de lá entrava não era mais tão frio quanto o primeiro. Bumba levantou voo e os dois foram janela afora em busca de grandes aventuras...