O'Death
Talvez, muitas pessoas possam dizer que seja mais fácil morrer do que viver. Outras dirão que isso é loucura: morrer é apenas mais uma jornada, tão complexa quanto a anterior. Por fim, há os mais radicais, como os primeiros, que dirão apenas: morrer é parte do processo, mas não o apresse. Eu, na verdade, seria um pouco menos radical, mas um pouco mais direto: eu nasci para morrer. Quinta-feira, quase Natal e eu, aqui, tentando escrever meus pequenos artigos, ler meus livros, ouvir minhas músicas, viver minha tristeza do de-dentro.
Os dias são tão escuros aqui. Não sei mais se é a poluição ou se são meus olhos, já acinzentados pelas chamas de um cigarro que queima sem ser fumado, enquanto intercalo os dedos entre as teclas e o copo de uísque. Eu acho que, na verdade, eu deveria mesmo é parar de intercalar e ficar somente com o copo.
As tardes não são mais tão animadas, como eram antigamente. Um amigo arrisca dizer que isso é depressão. Outro, dado às artes ocultas, diz que eu preciso me consultar com um Caboclo. Uma amiga me disse que eu precisava caminhar. O porteiro do prédio disse que eu precisava de um novo amor. Não quero nem continuar dizendo o que minha mãe me fala.
Eu acho que eu estou bem. O meu problema é a noite. Durante o dia, mesmo com aquela coisa cinza, há o calor do sol para me aquecer. Na noite, há apenas um ventilador que roda e faz um barulho estranho, parece que está prestes a parar. Se ele parar, o gelo do uísque vai derreter mais rápido e eu vou tomar uísque puro e quente, como quando era mais jovem.
Não me lembro, na verdade, porque eu comecei a escrever. Lembrei-me! Eu ia falar sobre o meu desejo. Morrer. A morte é um estado, como tinha começado a falar, que para uns é permanente e inevitável. Para outros, é possível de ser adiantado. Eu acho que todos estão certos. Morrer é inevitável. Não é possível fugir da morte. A morte vem dirigindo um lindo cadillac branco, usa um anel de prata na mão direita. Ela é tão sexy. Chega a ser excitante pensar nela.
Morrer é permanente. Uma vez morto, permanecemos mortos. Não se pode abrir as portas do céu ou, no meu caso, do inferno, para levantar Lazaro de seu túmulo. A morte vem, abraça-nos como uma velha amiga e leva-nos até o fundo frio de um lago. Lá, permanecemos mergulhados e mortos.
Morrer é passível de adiantamento. A morte não é igual o nosso salário de fome, de miséria e de necessidade. A morte pode chegar mais cedo. Antes do tempo. Morrer jovem, dizem, é sinal de que ficaremos para sempre jovens, belos e ainda com o frescor da juventude. Morrer velho é esperar tempo demais para sofrer. Sofrer aos poucos, morrer a cada dia. Eu não quero isso, morrer aos poucos.
Esperarei, nesta noite, até o raiar do sol, minha velha amiga. Eu não vou me matar, se é o que parece. Eu vou apenas sentar: eu, meu uísque, meu cigarro e um livro qualquer de filosofia. Talvez, eu leia Nietzsche. Quem sabe, se a morte demorar, eu não tenha tempo de entende-lo. Se ela vier rápida, morei jovem. Iluminado pelo frescor do reflexo da lua em meu copo de uísque.