TRÊS PRESENTES DE REIS
Três homens carregavam seus presentes apertados junto ao tórax. O terceiro da fila ia com o peito cheio, rosto límpido e movimentos firmes. O intermediário ora se virava para o que o seguia no encalço com um tímido sorriso de aprovação no rosto, ora dava tapinhas leves no ombro do que ia a frente. Não para advertir-lhe, mas para fortificar o laço que os ligava. O primeiro ia resoluto, absorvido, entregue ao seu propósito. Guiava a fila como o nariz guia os olhos, e do mesmo modo que eles convivem: unidos, incorruptíveis e perenes. Os três homens piscavam juntos e respiravam juntos, pois já não eram múltiplos, mas uma unidade. Não os três, mas a tríade, tão fundidos que estavam pelo objetivo comum.
O lugar pelo qual passavam era extremamente simplório, e o mar vermelho de pessoas singelas abria-se aos homens que seguiam em fila para observar-lhes as cores de suas roupas, já inexistentes naquela cultura impermeável e anacrônica. A magia que os guiava fazia com que o medo de que o mar se fechasse de repente se dissipasse, e houvesse apenas espaço para a alegria.
Já se tinham passados doze dias desde o nascimento do menino, e quanto mais perto estavam, mais pesados lhes pareciam os presentes que carregavam. O movimento de levar a outra mão para suportar o peso do presente que o primeiro fez, os outros dois fizeram simultaneamente, como se brincassem de “O Rei Mandou”, mas como se já soubessem de antemão qual era a ação a ser tomada. Os três, portanto, imitavam e eram imitados ao mesmo tempo. Eram três servos. Eram três Reis.
O lugar a que chegaram não possuía caprichos, e o único adorno que decorava o frágil abrigo era o próprio céu, que brilhava condescendente e abraçava-se à choupana como se esta fosse, também, uma estrela de seu firmamento. Os homens entraram, e com a lágrima que escorreu pelo rosto do primeiro, as lágrimas do segundo e do terceiro homem também escorreram síncronas. Pareciam o mesmo, e assim o seriam, não fossem pelas diferenças da posição que suas matérias ocupavam no espaço e pelos presentes que traziam consigo. Desfizeram a fila para formarem outra, lado a lado, de onde podiam observar igualmente o menino que repousava sereno no colo da mãe. Encenaram um breve cumprimento com a cabeça, que foi devolvido prontamente pela progenitora, como em forma de agradecimento. Com nada mais a esperar os homens, um por um, exibiram seus presentes.
O primeiro levou um cobertor de lã. Dobrados dentro dela vinham uma toca com orelhas acolchoadas, duas luvinhas, meias minúsculas e uma pequenina blusa colorida. Sabia que o casal não tinha condições de comprar bons agasalhos, em uma cidade conhecida pelos seus frios extremos. O pai segurou o primeiro presente, e agradeceu. A mãe permitiu as primeiras lágrimas. A criança suspirou profundamente, sem acordar, em seu colo. O primeiro Rei sentiu a alegria tomar-lhe o corpo, agradeceu pelo gesto que lhe fora permitido, e recolheu-se.
O segundo levou fraldas. Junto com elas levou gaze, sabão e toalhas. Sabia o quanto é perigosa a falta higiene para um recém nascido, mas também sabia que o local não possuía rede de esgoto, que o córrego era próximo à residência e o acesso à água tratada difícil, e que, portanto, o menino estava completamente vulnerável a qualquer tipo de virose ou infecção. O pai segurou o segundo presente, e agradeceu. A mãe permitiu as segundas lágrimas. A criança suspirou profundamente, sem acordar, em seu colo. O segundo Rei sentiu a esperança tomar-lhe o corpo, agradeceu pelo gesto que lhe fora permitido, e recolheu-se.
O terceiro levou um saco de arroz. Além disso, levou feijão, farinha e macarrão. Sabia que se os pais não sobrevivessem aos tempos ruins o recém nascido teria as suas chances quase esgotadas, e dependia disso também, portanto. Sabia, ademais, que o preço dos alimentos tinha sofrido a quinta alta seguida no mesmo ano, que o salário mínimo não tinha aumentado e que isso não faria diferença para um casal de pais desempregados. O pai segurou o terceiro presente, e agradeceu. A mãe permitiu as terceiras lágrimas. A criança suspirou profundamente, sem acordar, em seu colo. O terceiro Rei sentiu a paz tomar-lhe o corpo, agradeceu pelo gesto que lhe fora permitido, e recolheu-se.
A mãe olhou para o filho, que dormia profundamente em seu colo, e sentiu-se apaixonar mais uma vez. Sabia, assim como os homens sábios e de bom coração, o imensurável valor que o menino deitado em seu colo possuía. Sabia da extensão de suas possibilidades em um universo que se abria à sua frente para um futuro imprevisível. Velava consigo o mistério que o cercava, pois sabia que não valia a pena gritar muda ao povo, pois poucos possuem a capacidade e a coragem de acreditar no poder que aquele possuía de mudar o mundo, pois ele era nada mais, nada menos do que uma criança.