A VIDENTE
Sônia era uma criança tímida, nascida no seio de uma família tradicional, cujos princípios religiosos rejeitavam tudo que não estivesse de acordo com seus pressupostos.
Não obstante ela crescia, inteligente, saudável, estudiosa, de pouca fala, sozinha.
Certo dia, quando já tinha cinco anos, dirigiu-se a sua mãe e disse baixinho, medrosa:
- A vó Rosa vai ficar muito doente! Ela está sozinha e precisa de ajuda.
- O quê!? Vira essa boca pra lá, menina, que tu não és bruxa! Tua vó está bem, vendendo saúde. Agora vai estudar e deixa de bobagem.
A menina voltou às tarefas escolares, mas aquele pressentimento ruim não lhe saía da cabeça e ela não podia fazer nada. Sem demora, porém, o telefone tocou para confirmar: Dona Rosa sofrera um AVC e estava sendo levada às pressas ao hospital.
Aquele dia marcou a virada na vida de Sônia. Os presságios começaram a fazer parte de sua existência e a atormentá-la. Ela não apenas pressentia, mas também via. Tudo o que acontecia de grave na redondeza e entre seus familiares ela ficava sabendo com antecedência, mas não podia dizer para ninguém. Ela soube, por exemplo, que sua coleguinha de escola seria raptada, mas não abriu a boca. Viu o acidente automobilístico sofrido por seu tio João e não pode dizer para ninguém. Sabia que se falasse algo a respeito, seria repreendida e mandada rezar, ou estudar. Sua vida ficava cada vez mais complicada, mais triste e mais solitária.
E assim o tempo foi passando. Um dia, quando já com quinze anos, uma vizinha apareceu em sua casa em completo desespero dizendo que Lúcia, sua única filha desaparecera. Havia saído da escola e não chegara em casa, isso desde a tarde do dia anterior. Já acionaram a polícia, procuram em todos os lados e nem notícia.
Na medida em que a vizinha contava sobre o fato, Sônia procurava mentalmente Lúcia e a viu na casa do namorado. E agora? Contaria ou ficaria calada? Sabia que se falasse levaria uma reprimenda da mãe; por outro lado resolveria o mistério. Falou... e com todos os detalhes sobre o local da casa onde a garota se encontrava. A mãe a repreendeu, mas a vizinha acreditou e Lúcia foi encontrada.
Esse episódio serviu para agravar a relação que já estava péssima entre Sônia e sua mãe, a qual passou a vê-la cada vez mais como um ser estranho, uma bruxa, como vez por outra nomeava a filha.
Sônia se recolheu ainda mais e o tempo passava inexorável. Até que, numa rara ocasião em que participava de uma reunião entre familiares e amigos, conheceu um jovem por quem se apaixonou, foi correspondida e com ele casou-se.
Sair da casa dos pais foi um alívio. Melhor ainda porque foram morar em outra cidade, onde ele tinha um bom emprego. Agora, no entanto, estava na expectativa a respeito de como seria a relação com o marido quando ele soubesse sobre seus estranhos poderes. Precisava criar coragem e falar. Foi o que fez. Contou tudo, desde quando o fenômeno começara em sua vida. A princípio ele ficou calado. Refletiu e por fim disse que a entendia, contudo era fundamental que ela falasse somente a ele, quando tivesse alguma visão ou pressentimento, caso contrário cairiam no ridículo, virariam chacota. Contar só a ele não resolveria o problema, mas enfim, já estava habituada a engolir tudo e ficar calada. Continuaria de boca fechada.
Alfredo era o nome do marido de Sônia, representante comercial, viajava muito, às vezes ficava fora até uma semana.
Certa noite, em que o marido não estava, Sônia acordou-se sobressaltada, com um pressentimento estranho e de repente começou a ver o carro de Alfredo rodando rápido por uma rodovia movimentada. Na direção contrária vinha outro veículo em alta velocidade fazendo uma ultrapassagem indevida. O choque foi inevitável e violento. Alfredo morreu no local.
Passados os momentos dolorosos, Sônia vendeu a casa, mudou-se de cidade, comprou uma nova casa e foi morar sozinha. Na parte da frente da residência, afixou nas grades da cerca uma placa com a seguinte inscrição: VIDENTE.