AS NOIVAS DO CASARÃO

Vi quando a carruagem branca estacionou em frente à mansão. Eram dezoito horas. O sol quase encoberto pelas nuvens escuras deixava à mostra os derradeiros raios colorindo o horizonte. Ao longe conseguia vislumbrar a maré que chegava lentamente vestindo as areias prateadas, enquanto derramava o alimento dos biguás enfurecidos pela iguaria que lhes faziam dormir bem alimentados. Isso acontecia todo fim de tarde. Era de praxe eu ficar na sacada observando o crepúsculo. Mania natural de todos os meus dias, no lugar mais privilegiado do Arpoador, exceto, ver um transporte antigo, puxado por dois pares de cavalos brancos levando três noivas igualmente vestidas ao altar. O cocheiro impecavelmente trajado de vermelho com detalhes em branco e preto chicoteou os animais, assim que as moças se acomodaram no interior do veículo. Desceram a alameda feito um tiro recebendo aplausos dos poucos transeuntes que esperavam o trem na plataforma da praça.

Depois de alguns segundos, senti um arrepio na espinha ao lembrar que na mansão em frente, desde que nasci, nunca morou ninguém.

Fiquei pensando ao recordar da história que papai contava sobre o casarão. Cresci com medo até de passar pela calçada quando vinha da escola. Todas as pessoas mais velhas que ali moravam, conheciam acerca da tragédia vivida pela família.

Primeiro, fiquei achando que alguém tinha comprado a mansão, mas, certifiquei-me de que algo muito estranho estava acontecendo e que não era deste mundo.

Às dezoito e trinta as luzes se acenderam. Primeiro as luminárias do jardim, depois as da varanda. Por fim, toda a mansão ficou iluminada.

Eram exatamente vinte horas quando a música começou a tocar. Piano e trompete muito afinados davam boas-vindas aos convidados.

A rua ficou cheia de carruagens estacionadas em fila indiana.

Os transportes que traziam os noivos foram os últimos a chegarem ao tempo em que o som de uma composição de Straus ecoava na mansão.

Da varanda eu podia ver tudo e conforme a noite foi ficando alta conseguia ouvir as conversas das pessoas, que depois, mais tarde, descobri que não eram humanos, eram almas de outro mundo que moravam no cemitério; no fim da rua, logo depois do túnel.

Quase desmaiei, pois, à medida que elas entravam na condução, desapareciam antes mesmo de tomar o rumo do cemitério.

Foi como se um estalo abalasse meu cérebro que até o momento vivia uma realidade mórbida, que ninguém mais podia ver e, o poder da imaginação havia me levado tão longe.

Papai dizia que naquela beleza de casa viviam um rapaz, três moças que nasceram de uma mesma barriga da mãe. E as complicações ocorridas durante o parto fez com que o doutor só conseguisse salvar as crianças. Eram tempos remotos de poucos recursos na medicina.

O pai enlouqueceu depois que a mulher foi embora. Do homem risonho e empreendedor, restou um sujeito que perambulava pelas ruas.

A fábrica de tecidos durou alguns anos ainda, cuidada somente pelos empregados. As cuidadoras das crianças e os demais criados que trabalhavam na casa, cuidaram das crianças, contudo, depois de adultas, elas deram sumiço, tanto nas babás, quanto nos demais empregados da residência.

Depois de alguns dias do sumiço das pessoas da casa, a fábrica pegou fogo. Nunca descobriram a causa. Tanto os servidores quanto os donos se foram com as chamas.

Sobre a mansão, diziam que as pessoas passavam na calçada e ouviam gemidos e choro abafado. À noite, volta e meia as luzes se acendiam e através das cortinas se podia ver a silhueta de gentes, conversas do jardineiro com o cocheiro, mas, eram somente as conversas, eles nunca mais foram vistos.

As famílias registraram o desaparecimento delas, porém, a polícia não conseguiu descobrir o que de fato aconteceu.

Foi uma coisa escabrosa, desaparecer assim, do nada, todas as pessoas da casa.

Dizia meu pai que as referidas donzelas estavam noivas de três rapazes, também, de uma mesma família, vinda da Capadócia.

Naquele tempo, as viagens eram em navios. Ele dizia que eram homens bonitos e vestidos conforme os costumes da sua terra.

Chegaram ao Brasil ainda crianças, fugindo da primeira grande guerra. Moravam no centro da cidade, onde o pai vendia tecidos maravilhosos. Cortes finos que eram adquiridos somente pelas madamas.

Dizem que conheceram as moças do casarão, no dia em que elas foram adquirir tecidos para a festa de debutantes.

Contam também que foi amor à primeira vista e que estavam belíssimas no dia da festa, cada qual com seu namorado.

Meus pais estiveram nessa festa. O irmão recebeu cada uma delas ao pé da escada para lhes vestir os sapatos de salto alto, cravejados de pedrarias. Enfileirados, estavam os namorados cada um com o anel solitário que elas receberam juntamente com o pedido de casamento, sob os aplausos dos convidados.

Mamãe também, volta e meia tocava no assunto das belas mulheres e dos homens que iam desposá-las.

Ainda que o pai tivesse enlouquecido com a perda da esposa, o irmão delas cuidava muito bem para que a festa de casamento estivesse à altura das pessoas mais ricas do Rio de Janeiro.

Os melhores costureiros, cozinheiros e auxiliares vinham preparando todas as guloseimas o que seriam servidas naquele sábado do casamento.

Entretanto, tudo foi consumado pelas chamas ocorridas na fábrica na antevéspera das bodas.

Foi uma tragédia misteriosa, uma vez que as pessoas da casa, também desapareceram.

Diziam as boas línguas que o portão da frente abria e fechava num lamento tenebroso.

A polícia e os bombeiros, depois de acudirem ao incêndio da fábrica, rumaram até a mansão, mas, lá não encontraram ninguém, a não ser a cozinha arrumada com todas as tralhas e utensílios que seriam usados na festa.

Parte da decoração já estava pronta. Os vestidos das noivas pendurados no cabideiro, véus e guirlandas sobre a cama, os três pares de sapato das noivas, um ao lado do outro, sobre o criado mudo. A banheira cheia de água com espuma e sais de banhos, à espera de quem fosse nela mergulhar.

Vasos de todos os tamanhos enfileirados na sala de estar, davam um toque de sofisticação ao ambiente.

No corrimão da escada muitos aspargos pendurados, e rosas de todas as cores. Na sala, os lustres importados fechavam com muito luxo a decoração inacabada.

Contudo, nada que comprovasse, ou, incriminasse alguém, foi reconhecido pela justiça.

Ao deixarem a casa, lacraram o portão e puseram uma placa que proibia expressamente a entrada de qualquer pessoa.

Creusa Lima
Enviado por Creusa Lima em 07/04/2023
Reeditado em 28/01/2024
Código do texto: T7758488
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