Há dias que passo frio a fio! E ao aquecer a minha acídia, assedia-me a consciência de que para chegar ao distante verão, antes devo passar pelo inverno — a estação mais rígida do ano — assim, com temor, antes de trilhar essa inevitável via, via a sequência dos árduos passos que deveria dar; mas, para grande alento meu, pensava: pela primavera passarei, quando então, maior liberdade darei aos meus pés, e mais livres ficarão os meus olhos a caminhar entre as flores.
Já disse: com a temperatura em queda, quedo permaneço recolhido em minha casa; com efeito, há dias, adio as minhas saídas ao sol, pois, vê-lo eivado, nada me agradaria; portanto, por tanto desejar o calor, lembrou-me recordar de uma história, ou antes, de uma observação que muito aquecera o sentimento daquele que ma relatou, depois de observá-la pessoalmente; a ser assim, mais uma vez, vou recontá-la:
Antes de chegarmos à história, em tempo, volto ao tempo para dizer isto:
Contaram-me esta história há mais de vinte anos, e não menos que vinte anos de idade eu completara naqueles dias, assim, às mãos, tempo de sobra tive para esquecê-la, mas, com pouca força, ou até menos, pude segurá-la; com efeito, da minha memória, não mais pude soltá-la...
Vamos à história, pois já é tempo!
Os gansos por tão bem protegidos à custa de suas penas e plumas, bem mais toleram lugares frios, aonde por consequência necessária, há escassez de víveres; assim, desses sítios, eles fogem em busca de outras regiões aonde há alimentos mais fartos, se faltos de calor e energia se veem; contudo, para tais faustos lugares alcançarem, grandes jornadas em migração, hão de empreender; assim, logo após bem escolherem o momento que lhes apraz para cruzar os céus, todo o bando entra em formação singular, para tanto, todos os seus componentes tão logo alçam voo, se organizam em forma de um grande “V”, e esse, tal qual uma ponta de lança, neste “>” se transformar, para dar maior destaque ao vértice do bico do seu líder, com efeito, de um lado e outro, todos os membros daquele bando, se dividem em duas colunas obliquas, ou seja, cada indivíduo ao formar aquele grande “V”, vê à sua frente aquele seu líder; em consequência dessa ímpar composição, cada elemento que a integra, se beneficia da resistência do ar diminuída pelo empenho de seu companheiro que logo à sua frente se encontra; assim, para cada membro do grupo, bem mais confortável será rasgar as nuvens, logo, com mais facilidade a singrar os céus, todos cruzam grandes distâncias. Quanto ao líder do bando, de início, nada lhe é fácil, nada lhe facilita o voo, pois à sua frente, nada mais há além de frio e de ar denso, assim, para que sejam rompidos, grande desvelo haverá de ter; de outro modo, quando ele se depara com ar quente e rarefeito, a consequente queda de oxigênio lhe impõe um respirar mais extenuante. Sob tais condições adversas, vai o líder intrépido e confiante, ainda que a custo, a liderar o seu bando, contudo, consciente está que não vai só, pois, ainda que para trás não olhe, ouve atrás de si, o grasnar, que vem de seus pares, e que a lhe dizer estão:
Vai em frente nosso líder, confiantes em ti estamos! E mais dizem: antes que te falte forças para continuar abrindo este gélido caminho, sob o nosso calor fraterno, vem e descansa; pois, um de nós, no teu lugar, haverá de ficar!
Assim, alternando-se em suas posições entre si, vão todos os gansos até que cheguem todos seguros ao seu destino final, quente e rico de alimentos...
Quanto a mim, tiro dos gansos a seguinte lição: quando o próximo inverno chegar, vou deixá-lo em busca de calor; para fazê-lo, com zelo outro lugar hei de escolher, mas, só, não irei, pois, de outro modo, lá não permaneceria, quando não, nem mesmo lá chegaria...
Depois dessa reflexão, lembra-me Sócrates que dissera:
 


“Pensar um pensamento pensante não é redundância é apenas um pensamento que difere do impensante pela transcendência do saber e pensar”



















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Eugene Garrett
Enviado por Eugene Garrett em 28/02/2021
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