A CASA DO LAGO
No horto da cidade, havia um lago de águas borbulhentas e profundas com uma casa flutuante e cheia de luzes coloridas que sempre deu o que falar. Tanto a casa quanto o lago deixavam as pessoas assustadas, principalmente, os habitantes das cidades vizinhas. Os mais corajosos vinham de longe para andar de jet-ski e curtir os fins de semana. Em toda orla tinha quiosques aconchegantes, atendidos por rapazes e moças muito simpáticos e, os bangalôs coloridos eram alugados por turistas vindos de localidades mais distantes, para pernoitar.
O parque de diversões que ficava na extensão do lago, assim como, a casa flutuante no meio dele, foram arquitetados e construídos no mandato do governador Cícero de Alencastro Pessanha, inaugurado por ele, com o nome de Central Parque Lagoa Pessanha, com o intuito de atrair turistas, dos mais exigentes. O lado oeste da sua orla fazia divisa com a Mata Atlântica, no lado leste o oceano caprichoso e azul esverdeado, no lado norte a rede de hotéis e no lado sul a cidade Petrificada por florestas, montanhas e belas cachoeiras, as quais, foram conduzidas para transformarem no imenso lago, talvez, do tamanho de cinquenta estádios de futebol. Dizem que em alguns lugares a profundidade era de cem metros. Juntaram as águas de todas as cachoeiras existentes num só lugar, deixando uma estreita passagem, por onde elas se perdiam no Atlântico. As boas línguas falavam que nesse estreito aconteciam coisas misteriosas.
Contavam que a esposa do governador Cícero morreu afogada no dia da festa de inauguração e que em poucos dias ele se casou com a secretária. O corpo da desaparecida nunca foi encontrado. Diziam também, que a cidade inteira se revoltou por ele não ter se importado com o sumiço da mulher, por causa disso, ele teve de sair às pressas da igreja com a noiva, num helicóptero, para não serem linchados. O povo foi contido pela tropa de choque, todavia, pôde adentrar o local da festa e destruir tudo. Depois disso, o governador renunciou ao mandato e ninguém nunca mais o viu.
A casa era cercada de muitos mistérios, segundo a lenda, nunca foi permitido que se entrasse nela. Quem tentou, nunca mais foi visto. Fizeram demarcação sobre as águas com boias e luminárias de várias cores ao redor da tal casa. Em noite sem lua, labaredas douradas saiam por todas as janelas. Com o nascer do sol, tudo volta ao normal e nem sinal de que ali, periodicamente, havia fogo.
Um pescador me contou ter visto em altas horas, uma criatura saindo da casa, mas, ele não conseguiu decifrar se era homem, ou, mulher. O indivíduo só saía quando as labaredas acendiam. Montava num jet ski que também soltava fogo pelo escapamento e usava roupa preta com capuz e botas de cano alto. O ser só retornava quando o dia está prestes a amanhecer, e as chamas se apagavam.
Na semana de lua nova não havia fogo e nem a criatura aparecia.
Contou-me ainda que o tal Jet ski era deixado na praia. Isso quer dizer que a pessoa passava pelo estreito canal.
Ouvi e me arrepiei.
- Será que a dita esposa do governador, não morreu? - Vai saber, né? - Vai ver ele já estava de caso com a secretária e a esposa fingiu morrer para deixa-lo livre! - Não me assustava nem um pouco que fosse ela a responsável pelas coisas sinistras que aconteciam!
Apesar do receio, resolvi que ia me aproximar da casa.
Primeiro, esperei a lua nova.
Aluguei um Droner para vasculhar o terreno, aliás, a casa flutuante era o que mais me interessava.
Depois que a cidade dormiu, pus o bicho para ir até lá. Filmei quase tudo, exceto, um dos aposentos, que estava trancado com cadeado.
Verifiquei o que havia nas águas ao redor da casa, mas, aparentemente, nada.
Passados dois dias, peguei o barco e fui. Era a primeira hora do dia. Tive medo de algum crocodilo me atacar, é próprio deles gostarem de águas mansas e profundas. A partir da distância que disseram haver mistério, fui com o motor desligado. Difícil de chegar, as águas eram rebuliças, faziam o barco rodar, mas, consegui. Atraquei e fiquei observando se havia alguma coisa que me metesse medo. Tudo silencioso. Desci do barco na varanda e o amarrei no corrimão da escada. Com a lanterna adaptada à fronte e o celular com a câmera ligada, pisei na varanda, mas, escorreguei e cai. O assoalho era muito liso. Então, tirei as botinas e joguei-as no barco.
A casa era feita de madeira e tinha cheiro de sebo derretido. A porta da frente era de vidro e estava apenas, encostada. Abri-a. Meu coração batia feito uma ventoinha. Vi também, que as cortinas eram feitas de tecido dourado e brilhante, os móveis luxuosos e de muito bom gosto. Decerto, o governador levava a amante nos fins de semana para o local. Vi que havia uma adega cheia de vinhos caros. Queria romper o cadeado do tal quarto, mas, esqueci de levar a ferramenta adequada. Andava com muito cuidado. Vasculhei tudo e pensei voltar no outro dia para abrir o quarto, mas, quando cheguei na porta ela estava trancada e as janelas também. Fiquei suado de pavor. Não havia o que fazer, estava perdido.
Para que o medo não tomasse conta de mim, resolvi beber e dar tempo ao tempo. Quero dizer, enquanto não surgia uma ideia que funcionasse.
Comecei pelo uísque, vi que era de boa qualidade. Bebi nada menos, que meia garrafa. Fui à cozinha procurar algo para comer, não imaginava que a geladeira estivesse cheia de guloseimas. Havia salaminho, nozes, castanhas e pistache. Comi. Voltei para a sala e nesse espaço de tempo, até esqueci o porquê de estar ali. Enchei uma taça de champanhe francês. Era a primeira vez que degustava essa bebida. Bom demais. Fui pegar outra garrafa.
No outro dia acordei dentro do barco, e, ele, à deriva, no meio do lago, na proa um filhote de jacaré dormia na maior folga. Minha boca estava amarga, o sol escaldante, me olhando com cara de desprezo e uma dor de cabeça dos diabos.
Derrubei o jacaré na água com o remo e funcionei o motor. O motor não ligou. Sem gasolina. Embora tivesse abastecido, a gasolina tinha evaporado. Era muito azar!
Tinha que aguentar a cabeça latejando e ir remando no braço mesmo.
Fui.
Quando cheguei à orla, estava pálido e suando frio, a cabeça para explodir e com muita tontura. Todos me olhando como se eu estivesse saído do inferno. Sai do barco e cai na areia da praia. Devo ter ficado uns cinco minutos desacordado. Quando abri os olhos estava rodeado de gente. Um policial quis saber onde estive e porquê... Falei algumas besteiras e levantei.
Era hora do almoço. Os quiosques estavam abarrotados. Um cheiro de comida tão bom, mas, só sentia sede. Fui procurar uma farmácia.
Em seguida fui para o bangalô, onde estava hospedado.
Cadê minhas chaves? Haviam desaparecido.
Por sorte, o dono da pousada estava num dos quiosques, pedi a ele uma segunda chave, que prontamente me deu. Tomei um banho gelado e cai na cama. Acordei na hora do jantar, sentindo, outra vez, aquele cheirinho bom de feijão sendo refogado e o barulho acelerado do forró, vindo do quiosque em frente.
Pulei da cama, tomei um banho e corri para lá. Pedi uma água com gás e uma comidinha quente da hora.
Enquanto comia, fiquei articulando outros meios de descobrir o que havia na casa do lago.
Naquela noite, arquitetei várias formas de voltar por lá, mas, parecia que nenhuma delas, ia lograr êxito.
Contratei um amigo meu, profissional do mergulho que morava na minha cidade. Falei com ele ao telefone e fechamos negócio. No outro dia, à tarde, ele chegou, trazendo seus apetrechos para realizar meu intento.
Falei com ele sobre o que já tinha constatado no referido lugar, porém, precisávamos descobrir o que havia ao redor, para que a água rebuliçasse daquele jeito.
Ele me disse que mergulharia e que eu pudesse confiar na resposta que ia me trazer.
Levei-o de Jet ski até o divisor de águas e fiquei esperando, conforme o combinado.
Ele demorou cerca de uma hora.
Mal chagamos ao bangalô, fui informado por ele de que a casa não flutuava, era construída sobre uma rocha, com pilares suficientemente fortes para resistir até a um maremoto. Fiquei perplexo. Então, era esse, o motivo do rebuliço nas águas! A água doce misturada à água salgada, ambas represadas, em parte, a grande profundidade, e o vento marítimo circulando, era normal!
Decidimos que no outro dia iríamos mergulhar juntos. Se bem que eu não era profissional no assunto, mas, com o apoio do amigo mergulhador, não teria dificuldade.
Essa aventura só não me custou a vida, mas me borrei todo, quando lá no fundo do lago, descobrimos, submerso, um cemitério humano muito antigo.
Combinamos que, tão logo a noite caísse, íamos descobrir o que tinha na casa de dar tanto medo no povo.
Dessa vez, fomos de Jet ski. Chegamos com o motor desligado. A porta da frente aberta. Rompemos o cadeado.
No quarto, havia um par de botas e um Jet ski.
Era noite de lua cheia.
Ficamos escondidos esperando que a criatura aparecesse.
Ela chegou. A gente não conseguiu saber de onde veio, tampouco se era do sexo masculino, ou, feminino, mas, vimos o que ela fez. Calçou as botas, levou o veículo para a varanda, abriu todas as janelas e saiu voando sobre as águas.
Saímos atrás dela.
Nosso transporte era mais veloz e ela não conseguiu fugir, ficou circulando ao redor da casa.
Foi então, que descobrimos que o fogo que saia pela janela eram as cortinas, douradas, que com o vento, se agitavam no ar e com a luz da lua, se tornavam luminosas, parecendo labaredas de fogo.
O que era pavor, agora, pelo menos, para nós, transformou-se em encantamento. Por um instante, baixamos a velocidade e a criatura ganhou tempo, tomando o rumo do estreito. Avançamos também com toda velocidade.
Perdemo-la de vista.
Não havia tomado o rumo do canal.
Não era possível que a coisa tivesse nos enganado e o que já estava prestes a ser desvendado, caído por terra.
Desligamos novamente o motor, apagamos os faróis e esperamos.
A um passo de tempo, a criatura adentrou o canal devagarinho, no escuro, fomos atrás em silêncio, achando que a aventura estava no papo.
Atravessamos o canal, quando chegamos à praia, avistamos apenas o Jet ski, o par de botas e o sobretudo negro com capuz, o ser grotesco havia evaporado.
Mistérios do estreito, pelo menos para o meu amigo e eu, deixou de sê-lo. O que acontecia ali, em dia de mar agitado, eram as ondas mais altas atravessando as pedras que faziam a contenção das águas e avançavam lago à dentro. Isso fazia com que descessem muitos ossos e parte de esqueletos das tumbas submersas que já haviam se deteriorado no fundo do lago e essas ficam por sobre as pedras e nas encostas que formava o corredor de passagem das águas para o oceano. Realmente não era agradável de se ver, entretanto, longe de ser coisa para tanto pavor.
Quanto à criatura, desapareceu, deixou seu Jet ski e indumentárias, na areia da praia. Ficamos sem entender e achando que ela estaria dando o rolé pela cidade e que não fosse tão feia como se imaginava.
Estava louco por descobrir quem era a pessoa que vivia ali, às escondidas. Certamente, boa gente não havia de ser!
Fomos para o bangalô. Ainda tinha três dias para curtir a aventura.
Nessa noite, meu amigo e eu saímos para jantar.
À beira do lago estava apinhada de gente. Por sorte, conseguimos uma mesa desocupada.
O fim de semana prometia.
Passava da meia noite, quando ele quis ir dormir.
Ele foi e eu fiquei.
Assim que ele saiu, do nada, apareceu uma morena e pediu para se sentar comigo, à mesa. Claro que aceitei.
Pedi outro uísque e ofereci a ela, prontamente me respondeu que não bebia. Pediu um suco. Ficamos conversando.
Convidou-me para dançar. Entre uma dose e outra dançávamos a música inteira.
Em dado momento, ela se levantou para ir ao toilette, notei que as botas, eram iguais as que encontramos na praia.
Não dei muita bola, focado na ideia de que nas lojas tinham muitas parecidas.
Pedi mais um uísque, mais outro e depois quando já estava grogue, lembro, vagamente que ela disse que ia me levar para casa, mas, no outro dia, acordei tarde e vi que estava sozinho na casa do lago.
Quando sentei na cama, minha cabeça latejava, insuportavelmente, mas, pude ver o par de botas e o sobretudo preto largados sobre o tapete.
Levantei cambaleante e fui ao banheiro. Tomei uma chuveirada, vesti as roupas cheirando a bebida e fui à cozinha. Bebi água, depois sentei no sofá da sala e fiquei esperando que ela aparecesse.
Procurei o celular e não estava comigo. - Como ia sair dali?
Era quase meio dia e eu, sem ter o que fazer. Na situação que estava, não ia conseguir atravessar nadando.
Não tinha mesmo uma alternativa para sair daquela enrascada.
O dia foi movimentado. De onde estava podia ver a algazarra das pessoas que subiam e desciam em velocidade.
No meio da tarde, resolvi ir à varanda, na esperança de que alguém se aproximasse e me ouvisse.
Arranquei a camisa e comecei a agitá-la no ar e gritar. Com muito custo, uma mulher desligou o Jet ski e se aproximou.
Disse a ela que precisava ir embora e estava sem condução. Ela veio, e, me deu uma carona.
Cheguei ao bangalô escurecendo. Quando contei sobre o que aconteceu ao meu amigo, ele ficou pasmo.
No outro dia, meu celular e as chaves apareceram sobre a pia da cozinha. Estavam impregnados do perfume da moça que esteve comigo no quiosque.