UM CARONEIRO DO ALÉM?
O sujeito andava desajeitadamente, com certa dificuldade em uma das pernas, arrastando, pelos corredores da grande loja, um volumoso saco branco. Parecia pesado.
Durante alguns segundos, o observamos, eu e minha esposa. Estranhamos. O sujeito parecia satisfeito com o que já havia posto no saco, uma vez que nada mais lhe interessava. No entanto continuava a andar pelos corredores, absorto, olhando para o nada. Dir-se-ia perdido no mundo da lua. Aparentemente ninguém o via, já que não lhe davam a menor importância. Em dado momento, porém, ele parou, virou-se para nós e nos olhou diretamente nos olhos, com aquele olhar parado. Rapidamente mudamos de direção e passamos a nos preocupar com o que viéramos fazer.
Vez por outra, nos encontrávamos nos corredores e ele nos olhava, disfarçadamente, sem parecer que estivesse nos vendo. A situação começou a ficar desagradável e nos apressamos.
Ao chegarmos à caixa, ele nos abordou, educadamente:
- Boa tarde! Poderiam dar-me uma carona até minha casa? Gastei meus últimos reais em compras e fique sem dinheiro para o táxi.
Como, gastou seus últimos reais? Não o vimos comprar nada, não obstante o saco. Depois, o sujeito não nos conhecia, não sabia se tínhamos carro, para onde iríamos.
- Onde fica tua casa? perguntei.
- Na rua Leoberto Leal.
Morávamos na direção oposta, no entanto minha esposa acreditou que poderíamos levá-lo e eu concordei. Não parecia tratar-se de uma pessoa perigosa.
Até a caixa, ele arrastou o saco, como se estivesse pesado, entretanto ao saber que lhe daríamos a carona, pôs a carga às costas com a maior facilidade.
No carro começou a falar. Não articulava claramente as palavras, mas dava para entender. Disse que se chamava Carlos e que viera de São Paulo há alguns meses, com a mãe. Frequentavam um grupo de oração, numa igreja, cujo nome não lembro.
Percorremos dois quilômetros na rua Leoberto Leal e Carlos apontou um prédio, numa esquina. Disse que morava ali. Estacionei o veículo, ele agradeceu pela carona e perguntou nossos nomes. Gostaria de levá-los ao seu grupo de oração, se assim o permitíssemos. Concordamos. Por que não? Afinal, desde que entrara no carro, passamos a acreditar que fosse uma boa pessoa. Ao descer, ainda nos convidou para visitá-lo, qualquer dia. Sua mãe ficaria muito feliz. Moravam no apartamento 36.
Era um prédio de três andares. O primeiro, todo destinado à garagem; portanto não deveria ter mais que oito apartamentos. Saí pensando nisso.
Dia seguinte, voltei àquele endereço e falei sobre Carlos com o porteiro.
- Desculpe - respondeu - mas aqui não mora nenhum Carlos; também não existe apartamento número 36. Semana passada, porém, aconteceu uma situação estranha, aqui. Uma moradora disse ter visto, na garagem, tarde da noite, um homem com essas características. Assustada, acordou o prédio todo. Revistamos o local e não encontramos nada suspeito. Ninguém entrara, nem saíra. Eu teria visto.
Cinco anos passaram e a história continua indelével, misteriosa, me cutucando. Para quem dei carona, afinal?