O RETORNO (mistério/terror)

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'...só me lembro do meu primeiro nome, Dário, da tormenta, das vagas alucinantes quebrando o barco ao meio, do gosto de sal e sangue na boca e de uma voz feminina me dizendo...Volte...Volte...'

Dias serenos num hospital pequenino, mas, bem equipado, com médico e enfermeiras simpáticos, capazes e dedicados. Em minha cabeça era essa a minha realidade, não recordava de nada do meu passado, só tinha dentro da mente, a visão, a sensação dolorosa do acidente em alto mar, do meu nome, Dário e da voz doce me pedindo para voltar.  Me contaram que cheguei àquela praia do Pacífico, todo quebrado, com graves ferimentos no dorso e na cabeça, praticamente sem roupas, exceto pelas cuecas rasgadas, mas, inacreditavelmente nenhum órgão vital havia sido afetado, só a memória quase vazia e que o médico ainda não sabia se era um apagão temporário pelos traumas sofridos ou uma perda definitiva das lembranças passadas, mas, apesar de todos os exames, que me levaram para fazer numa cidade maior, essa dúvida persistia. Minha foto foi colocada na internet, quem sabe alguém traria luz sobre minha história.

Dos destroços do barco, só um saco plástico e madeiras, lamberam a areia da praia. No saco uma foto de uma linda mulher, uma chave grande, a licença do barco em nome de David Mash, o que deixava uma dúvida pairando no ar,  eu me chamava mesmo Dário?
Quem seria a mulher da foto, se eu era mesmo Dário, talvez localizassem David Mash o dono da licença, só que o tempo passava, eu estava corado e saudável, precisava deixar o hospital, mas, ir para onde, sem documentos e sem dinheiro?

Até que o Dr. Maru teve uma ideia, me propondo trabalhar no hospital ganhando um valor para me alimentar e vestir, eu moraria no quartinho dos fundos, onde guardavam suprimentos, poderiam mudar tudo para outra saleta pouco usada por eles. Isso pelo menos por um tempo, até que se achasse uma outra solução ou a internet trouxesse de volta a minha história. Trato feito e agradecido as providências foram sendo tomadas.

Alguns meses depois, eu já conhecia todo mundo na ilha, surfava pequenas ondas, o mar não me causava medo apesar do acidente, estava criando laços com o povo afável dali. À noite, a voz doce que me chamava soava baixinho, dentro da minha cabeça.  Numa manhã de agosto, acordei transpirando e gritando
- O cofre, esconda o cofre!!!

Pulei da cama com dificuldade, dor de cabeça e o corpo parecia ter levado uma surra de tantos hematomas e escoriações, eu lembro de ter acabado o serviço, feito um lanche, tomado banho e deitado, não saí do quarto, como podia estar tão machucado assim?

No hospital um alvoroço se formou, nada indicava que uma luta tivesse ocorrido por ali. Tudo em ordem exceto Dário, completamente escoriado
- Como? Por quem? 

Conto o restante de fora, pois resolvi escrever sobre este fato numa coluna do jornal onde trabalho.

Perguntas ainda sem resposta. Curativos feitos, injeção para as diversas dores e mais uma vez ele se safou, nenhum osso quebrado. E agora, o que responder à Polícia? Nenhuma testemunha, um náufrago desmemoriado, sem evidências de luta ou invasão, difíceis questões e na internet 'o sem memória' continuava sem história. Isso tudo seria real? Seria um delírio coletivo? Uma febre coletiva dos Trópicos? Sonho ou realidade? 
Quem sabe...
Só que os hematomas, escoriações e dores do homem sem memória, eram bem reais.

Durante o sono reparador do analgésico, a voz doce persistia no chamado
- Volte, volte...
O Dr. Maru, não conseguiu explicação para os três dias que Dário ficou em sono profundo, falando alto algumas vezes...cofre, esconda o cofre!!! Será que existia alguma coisa sórdida ou perigosa na história daquele homem?

Interrogações demais, pululavam naquela pequena ilha do Pacífico, nunca fora tão agitado por ali. Emma uma das enfermeiras, teve a ideia de publicar a foto da chave junto às fotos de Dário, da mulher  e da licença do barco. A chave era grande, diferente, quem sabe a chave era a 'chave'  de todo esse caso misterioso.

Emma acertou em cheio, na página criada numa rede social para a publicação das fotos, o gerente de um banco no Sul da Austrália, respondeu que chaves semelhantes foram entregues aos portadores de grandes somas depositadas, juntamente com um cofre ao estilo dos piratas, apenas como um mimo decorativo, mas, a foto do desmoriado e o nome que constava na licença do barco lhe eram desconhecidos, David Mash não era correntista do banco. Explicou também, que iria pedir para pesquisar nos arquivos do banco, se existia foto de Dário, na parte documental, mas, isso demandaria algum tempo. O Dr. Maru viu surgir ali, uma luz sobre toda aquela situação. Assim que Dário estivesse mais forte, falaria com ele, para saber se ele se recordava de um cofre, da tal chave. Com esses dados talvez ele se lembrasse de algum novo detalhe.  Só que isso teve que ser adiado mais uma vez, pois trouxeram da praia, um Dário tão surrado, que saía sangue de seus ouvidos. Ele no horário de almoço de um dia no meio da semana, já se sentindo bem, fora dar um mergulho. Os rapazes que o trouxeram, eram conhecidos de todos no hospital, boas pessoas. Relataram que encontaram Dário muito machucado e sozinho, numa parte mais deserta da praia.

Mais uma vez sem testemunhas, que sina esse homem tinha. Será que mais alguém se salvara no acidente? Seria um desafeto do homem sem memória, que escondido na ilha, o estava agredindo?  Qual o problema entre eles? Teria alguma relação com o tal cofre? 
O Dr. Maru, resolveu deixar todas as informações com as autoridades, pois não tinha condições de proteger Dário no hospital. Da maneira e velocidade como as coisas estavam acontecendo, ele poderia aparecer morto. Era o certo a se fazer.

O Delegado Ari, reunindo todas informações e depoimentos, tentava unir todos aqueles pontos. De pronto, as lacunas eram muitas, então, deixou um policial de vigia no hospital. 

Cinco dias depois bem recuperado, Dário era um touro de forte, se recuperava de maneira surpreendente. Por orientação do delegado, ele não deveria sair, até que tudo fosse apurado e assim estava sendo feito.

Mas, as coisas não correram como deveriam. Dário, a pedido de Emma, foi buscar no dispensário algumas mudas de roupa de cama, mas, ele estava demorando demais e a enfermeira Mere foi  atrás dele. Gritos de horror foram ouvidos até pelo policial de plantão na rua. Todos correram e a cena que viram,  era no mínimo inusitada. Dário com as mãos decepadas, várias notas de dólar enfiadas pela goela abaixo, morto, sangue jorrando de um ferida aberta no peito, pouco abaixo do coração. Não havia sinal de luta. O hospital foi virado de cabeça para baixo e nada estranho ou resposta para tudo aquilo foi encontrado, um crime sem solução. O Delegado Ari, resolveu arquivar o caso. Aquela ilha do Pacífico, aos poucos,  foi voltando ao normal.

Quase um ano depois, por curiosidade apenas, Emma resolveu dar uma olhadinha na página criada por eles para ajudar Dário e a foto dele apareceu estampada, com um agradecimento publicado dois dias antes, que dizia assim:
- Obrigado por toda a atenção, apoio e carinho de vocês, minha passagem por este plano terreno, seguiu desígnios superiores, precisava espiar meus pecados, não há culpados, apenas intermediários para que isso tudo acontecesse, sigo agora para estudos superiores...
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 13/02/2018
Reeditado em 17/02/2018
Código do texto: T6253035
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